sexta-feira, 29 de abril de 2011

A Serventia dos Livros

Não que gostasse de carregar peso, mas Marco Aurélio passava dias e dias segurando uma caixa de livros. Para onde fosse, levava consigo a caixa. Se era indagado sobre o porquê, dava uma resposta convincente, porém evasiva: "É para o bem de todos."

No pequeno vilarejo, muito antigo, o tempo parecia que havia estancado. Avanço das ciências não se encontrava por ali. Tudo o que se tinha, fora conseguido dois meses antes, numa das pescarias coletivas para alimentar as famílias do local, onde encontrou-se uma caixa cheia de livros. A caixa que Marco Aurélio empunhava.

Marco Aurélio, sabe-se lá como, conseguia entender o que estava escrito naqueles livros. Durante as duas primeiras semanas, não dormiu. Dedicou-se aos livros, devorou-os todos. Logo após, isso, claro, depois de seu descanso de quatro dias ininterruptos, iniciou algumas obras no vilarejo, com o conhecimento adquirido dos livros.

Ninguém precisava mais andar até o rio se precisasse de água, agora tinham um poço ao alcance da vista; as comidas não era mais estragadas, tinham um novo método de conserva; as roupas não eram mais trapos pesados e sujos, mas tinham uma corte que, ao mesmo tempo que facilitavam os movimentos, também não deixavam que fossem acometidos pelo frio; os intrumentos de caça e pesca já não eram rústicos, eram mais afiados e resistentes; dentre outras coisas que tornava a vida menos difícil.

Em pouquíssimo tempo, o vilarejo era outro. As casas eram de alvenaria, e não mais de palha. As ruas eram calçadas e numeradas, existiam cercas, barcos grandes e resistentes, o plantio de legumes e verduras. Tudo estava mudado, e todos agradeciam o empenho de Marco Aurélio.

Marco Aurélio agradecia, o clima era amistoso.

Porém tudo isso viria abaixo em pouco tempo. O vilarejo fora acometido por um desses grandes desastres naturais. Nada restou em pé naquele lugar, nem a autoestima daquele povo. Com tudo destruído, não sabiam como iriam sobreviver. A todo instante, em pânico ou não, pediam ajuda a Marco Aurélio. E este, já não sabia mais o que fazer.

Numa das noites mais frias, Marco solta pela primeira vez em muito tempo a sua caixa de livros. Os apruma bem no meio da roda de pessoas, tira um líquido inflamável do bolso e toca fogo nos livros.

- É só para isso que os livros servem!

Foi o que exclamou Marco Aurélio, antes de morrer de frio como metade do vilarejo.

domingo, 17 de abril de 2011

Pra não dizer que não falei das flores

Na casa de minha pequena, no canto da sala, num vaso trivial, mas não feio, encontrava-se um ramalhete de flores. Estas, sim, pode-se dizer de boca cheia: - eram bonitas! Mas também não deixavam de ser triviais.

Das flores, eu pouco sabia. Sabia apenas que estavam ali, e que enfeitavam um canto da sala antes inerte. Minha pequena, a todo instante, porém sem palavras, me insinuava a presença das flores. Como se quisesse que eu constatasse explicitamente, leia-se oralmente, a presença do que já era, por si só, latente. E passeava para cá, para lá, sempre na frente das flores. Buscava coisas, objetos, quase sempre sem motivo, e sempre perto das flores.

Não notar as flores, naquele momento, era não notar ela.

Na momento da despedida, com a porta quase fechada, eu me viro e digo:

- Muito bonitas as flores ali do canto da sala.

Por favor, não me apregoem Geraldos, Vandrés, ou hinos fraternos de apelos a uma revolução política.

Eu falei das flores. E apenas pra não dizer que não falei das flores.

sábado, 16 de abril de 2011

Aquilo

Não que ela fosse áspera, mas naquele momento a paciência lhe era ausente. Estava farta. De quê? Do silêncio angusntiante do elevador, do 'bom dia' cordial e obrigatório, das companhias que lhe faziam ausente, das tabelas matemáticas, tantos e tantos por cento, funções logarítimicas e exponenciais, pessoa humana, ser, sentido e senbilidade: calculada, presa e metrificada.

Chega de fugas e evasões sem sentido: silenciar junto com uma mata verde apenas tranquiliza, não soluciona. Drogas & narcóticos outros tão somente entorpecem, não resolvem. E nem se fale em práticas medititativas copiadas tais e quais receitas de bolo!

E não são lícitas, aqui, metáforas literárias previsíveis: "vida opaca" e "mundo cinza" não contemplam uma vida chorosa num quarto fechado e frio.

Naquele instante, agarrada a uma fotografia, ela chorou e soluçou aquilo. Aquilo que ela nem sabe o quê.

terça-feira, 12 de abril de 2011

A Vida Continua Triste

O nome dele não era Sizenando, era Roberto. E talvez a única semelhança entre os dois era naturalidade de Goiás. Roberto, quase 30 anos, alguns fios de cabelos brancos e um amor para lamentar. Ele dizia, pressionando o cigarro entre os dedos médio e indicador, que não conseguia se conformar com aquilo.

Por aquilo, entenda-se a troca que Gabriela fez: deixou ele para ficar com um "infeliz", como Roberto o definia.

O "infeliz", dizia-me o desiludido, não faz café da manhã para ela, não escreve poemas, não compra bolo de chocolate, não manda torpedo sms pela manhã para alegrar o dia, não vai almoçar com sua tia chata. "Nenhuma qualidade", conclui Roberto. Não perguntei, mas, decerto, o "infeliz" também não sabia nada sobre esperanto.

"A vida tem dessas coisas, Roberto, fica tranqüilo", disse eu. "Isso não serve de consolo!", respondeu-me com voz trêmula. Um sopro e ele se desmanchava em choro.

Roberto estava certo, o que eu disse não servia de consolo. Na realidade, naquele momento, nenhuma palavra serviria de consolo. A cerveja que o embriagava era mais solidária do que as minhas palavras, ora pois. Para que falar numa situação daquelas? Tudo o que Roberto precisava ele tinha naquele momento: cigarro, álcool e alguém que ouvisse suas lamentações.

Eu me resignei ao meu silêncio cada vez mais. Um silêncio companheiro, de quem sofre junto. E me pus a pensar que, dos dias de Sizenando até hoje, passaram-se mais de cinquenta anos. E nada mudou: a vida continua triste.

Muito triste, Roberto.

sábado, 9 de abril de 2011

No refrão da Canção para o Oceano


O bardo dedilha sua harpa.
Cordas de ouro expandem a música.
Uma canção de ninar para o oceano.
Um poema para acalmar o espírito melancólico.

Em cada nota de sua música milenar.
De minhas poesias posso lembrar.
O sorriso que outrora tive.
uma memória agora húmida e triste.

No refrão da canção para o oceano.
Eu entrego a tempestade da minha alma.
No movimento pendular das ondas prateadas.
Eu deixo a melodia velar meu pranto.

No refrão da canção para o oceano
Os meus versos embalam meu sono.
Uma fuga do triste outono.
Uma busca à primavera 
inalcançável.

O bardo que toca a harpa dourada.
Talvez em meio as eras futuras e passadas
Seja um fantasma de minhas lúgubres lágrimas.
A expressão da ausência de minha fada.

E sua música doce a minha desolação.
O grande oceano o indomável coração.
A caixinha de segredos e mentiras.
do pequeno garoto coroado com estrelas sem vida

No refrão da canção para o oceano.
Repousa um mistério milenar.
Uma poesia silenciosa.
Uma paixão à deriva.

quarta-feira, 6 de abril de 2011

a foto

Não tive noção plena do gesto, foi inconsiente, quando vi, já estava lá, contemplando-a. Acho que ela apareceu do nada, despencou do céu, caiu na minha mão feito chuva, com o perdão da metáfora previsível. A foto resistiu a lágrimas, cigarros, goles amargos na cachaça, nem sei como, mas sobreviveu. O resto, todo o resto, virou lixo, ou cinzas: as missivas, rídiculas como tem que ser; poemas, presentes, roupas, outras tantas fotografias: tudo sucumbiu à dor. Menos aquela foto, ora veja. Ela trouxe à tona desejos há tanto adormecidos, dores há muito anestesiadas, felicidades comum-de-dois, tão minhas e ao mesmo tempo tão delas, que, é claro, eu senti na boca o gosto amargo do jiló da saudade. Eu podia ter passado ileso a tantas lembranças, mas no meio do caminho havia um foto, havia uma foto no meio do caminho, e não adianta lamentar o acontecido, bastá aceitá-lo, assim mesmo, porque tinha de ser. Sem rancor nenhum. Arriscaria, até, com um pouco de ternura. Guardo a foto de novo no alto armário, de onde ela tinha necessariamente que ter saído. Ou não.

terça-feira, 5 de abril de 2011

meu amor

meu amor já vinha de longe decidida, pra fazer, acontecer, pintar o sete, ora essa, porque ela sabe! meu amor suou o suor do desamor e veio enfurecida, vingar, ela pode, podem todas, e ai de quem disser contrário; lá na terra dela não se via amor andando, era coisa distante, de livro e de poema, e olhe lá, mas meu amor ia mesmo, e foi; meu amor me chamou de "meu amor", alcunha que eu pensava que ela nunca mais me daria, e nem ela queria dar, só deu porque queria se vingar, não de mim, mas de outro, porque, repito, ela pode, todas podem! meu amor disse que meu cheiro era cheiro de amor, e mordeu, e arranhou, e apertou, e fez tudo o mais, o que tinha direito e o que não tinha; meu amor sabia que não eu não resistia, e como sabia, e por isso veio a mim, pois sabia que fazia e acontecia; meu amor não me chamou de amor, me pegou, tirou a roupa, a minha e a sua, e fez o que queria fazer, o que importava fazer, aquilo que naquele lugar ninguém chegou a fazer: - meu amor tirou o amor da estante!
e eu agradeço.

segunda-feira, 4 de abril de 2011

Histórias de Grandeza e de Miséria 7: Poetar é fácil...

No ônibus, na cadeira da janela, meu colega de viagem interrompe."Tu gosta de ler poesia?", pergunta. Digo que sim. Ele pergunta se eu também escrevo poesia; novamente, sem muito entusiasmo, respondo que sim. Ele, Seu Adauto, como me disse, falou que também gostava de ler, mas que não tinha tempo. Comprou um livro do Drummond, "baita poeta!", mas faltou o "danado" do tempo. A rotina: acorda às 06:00, leva os filhos para a escola, retorna para casa, come, vai trabalhar, volta do trabalho, pega as crianças na escola, visita o pai adoentado, pronto, já são 22:00h. Desabada esgotado na cama. Aos finais de semana, faz bicos, sai, se der, com os filhos e com a mulher, "porque ninguém é de ferro". Aí já vem de novo a segunda, e tudo de novo. Foram trinta minutos de conversa, cansei só de ouvir Seu Adauto falando da correria que é a sua vida. Antes partir ele pergunta:"Tu também faz poesia?"."Faço.", respondo. Seu Adauto chega onde queria chegar:"Tu faz uma pra mim?". "Faço!", respondi com firmeza. Faço, faço, faço, e fiz. Eis aqui o que fiz, Seu Adauto, não é muito, mas é o que eu fiz.
Moral da história: poetar é fácil, difícil é ser gente.

sábado, 2 de abril de 2011

Eros( por falta de título melhor :P)

Aqui está senhores e senhoras mais uma das contribuições desse humilde bardo espero que gostem e até breve!










EROS


Abrace meu corpo nu.
Unidos seremos como uma constelação
Brilhantes nas profundidades da escuridão
Amantes imersos em sonhos


No arrepiar de nossos corpos
As almas se beijarão
No fluir dos selvagens sentimentos
Os espíritos se possuirão.


Os anjos testemunham as bocas
O tocar dos nosso lábios sem culpa
Enquanto as inocências são guardadas
No silêncio saboroso das palavras


Casta virgindade revelada.
Morre a virgem e a criança
No palpitar do seio excitado
No beijo do poeta acalorado