sexta-feira, 13 de julho de 2012

Hoje ainda é dia de rock

Eu descobri e acho que foi a tempo, mãe e pai, que hoje ainda é dia de rock - começo com essa famosa frase de Sá, Rodrix e Guarabira. Começo para dizer que ainda não passou o prazo de validade, mãe e pai, pra gente poder escutar os três acordes do Ramones, do disco de Titio "Loco Live", que vocês me disseram que era música de doido.    

Eu ainda lembro que vocês queriam que ouvisse aquele álbum chato do Araketu, enquanto eu arrumava o quarto ou descascava o alho do almoço. Era uma barra ter que escutar aquilo, e decorar as letras a contragosto, mas era melhor do que reclamar e tirar o CD da vitrola - caso fizesse isso, a repressão vinha a galope.      

Esperteza mesmo era aguardar uma saída de vocês e chamar a galera pra fazer uma "roda punk", ao som de Devotos do Ódio, no cubículo lá de casa. Numa dessas, o aquário quebrou, aliás, nós (eu e meus amigos) o quebramos, e eu tive que ouvir aquela ladainha repetitiva de que "no meu tempo não era assim". Fiquem com essa vontade de voltar no túnel do tempo que eu coloco "A verdade sobre a nostalgia", de Raul Seixas, na caixola, pra vocês verem o que é bom pra tosse!       

Rulzito, papai, que era baiano, prato cheio para teu bairrismo. Na próxima visita é gelo, uísque e "Novo Aeon" nas alturas, topas? Se topares, veja bem, ainda posso levar de brinde para nossos tímpanos umas músicas de Camisa de Vênus, uma banda soteropolitana, vejas só a ironia. Eu sei que o senhor ainda tem salvação, aleluia!, e eu não vou perder a chance, caso esse nosso encontro aconteça, de levar algumas coisas mais legais, como Pearl Jam, Pink Floyd, The Beatles e Joy Division.    

Contigo, mamãe, o papo é mais complicado, ainda mais depois que aceitaste Jesus, glória, aleluia!, e tudo o que não é "da igreja" é "do mundo". Apesar desse maniqueísmo raso, eu tenho fé, aleluia again!, e ainda guardo na memória os teus pulos ao som de Chico Science – o que já é um bom começo, admita-se. Caetano Veloso também te agradava, e, nesse caso, poderíamos deixar de lado o álbum "A Bossa de Caetano" para ouvir o "Transa", que achas? E como eu sou um filho bonzinho, no final, no apagar das luzes, já próximo do “The End” caligráfico e bonito dos filmes de Roliúde, eu coloco o folk 
do álbum “Blue” de Joni Mitchell pra embalar nossos melhores sonhos acordados. Massa, né não?           


Pensem, mas pensem com carinho, pois a oportnidade de descobrir que hoje ainda é dia de rock bate à porta de vocês. E não é o Rocky invencível de Stalone ou o Roque assistente de palco de Silvio Santos, corta essa piada batida, papai.  


Abraços.

domingo, 11 de dezembro de 2011

vácuo sonoro

De dentro do carro, não se percebeu o que havia acontecido, só atinamos para o trânsito depois da brusca freada, do estridente barulho da buzina, e do sonoro "Poooorra!" emitido pelo condutor do automóvel, meu pai. Júlia, minha irmã, olhou assustada. Passou-se. Algumas semanas depois, uma situação semelhante: buzina e freada agressivas. Júlia percebeu algo incompleto - quase um vácuo sonoro. Esperou reações, elas não vieram. Então, encheu o pulmão de ar e soltou: "Poooorra!". Olhamos impressionados e rimos contidamente para não dar a entender que aquilo era certo. A mãe censura suavemente, quase satisfeita: Júlia, minha filha, isso está errado. Tá certo, mamãe, desculpa.



(Também da série Te mostro quando souber ler)

domingo, 4 de dezembro de 2011

momentos mudos

Eu te amo quando, tranquila, dormes, sem imaginar que eu vigio teu sono. Eu te amo na esquina de casa - com um sorriso leve no rosto - ao fumar o cigarro de tua marca predileta. Eu te amo na viagem de ônibus, indo, sem avisar, ao teu encontro. Eu te amo no bar em que nos conhecemos, ao tomar sozinho uma cerveja aguada. Eu te amo pela manhã, debaixo das cobertas, num sono fingido, contemplando você se arrumar. Eu te amo assistindo àquele filme. Eu te amo ao deixar cair uma lágrima, na fila do banco, porque tocou nossa música em inoportuna hora. Eu te amo arrumando a cama que ficará à espera de nós dois. Eu te amo na carta que nunca te entreguei. Eu te amo nas pequenas descobertas do mundo - a vaidade e o orgulho - de Clarice Lispector. Eu te amo longe do mar. Eu te amo no pôr do sol solitário que não dividi contigo. Eu te amo nas noites que não durmo ao teu lado. Eu te amo ao cheirar tua roupa usada. Eu te amo no silêncio da sala. Eu te amo calado, contido - em momentos mudos, mas que falam de você.

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Se você imagina que ao invés de estar sentado na frente do computador, ensejando uma cena seca, sem cor, sentindo uma sensação de desperdício de tempo e vida, você poderia estar andando por aí, perambulando por um mundo imenso, talvez um momento de distração seja possível. Poder-se-ia estar agora na mesa de um bar, conversando com algum amigo, ou sozinho mesmo, se divertindo ao ver outras pessoas embriagadas; a essa hora, também, seria interessante observar o movimento das águas do rio que, ajudadas pelas águas fortes da chuva, fazem belo espetáculo. Eu poderia, quem sabe, andar até achar um pinheiro, ou um cajueiro, ou um coqueiro, ou qualquer árvore, e parar e olhar para ela, e a partir dela refletir sobre minha vida, reflexões sinceras se possível; e depois contar essas reflexões a alguns amigos íntimos, que são generosos e emprestam seu valioso tempo para ouvir minhas divagações, e depois me envaidecer um pouco com seus elogios a minha rara sensibilidade. Ou, então, ia me dedicar a lamber, e dedilhar, e penetrar, a linda bocetinha da minha amada, que eu conheço tão bem como quem conhece as próprias feridas, e faria ela gozar em urros de prazer, e depois, quase no mesmo instante, eu gozaria também, para o momento ser completo. Mas isso, nada disso, existe. Aliás, existe. Mas é - não direi apenas - fantasia. De real só a mesa, a cadeira e o computador. Que persistem. E, nossa, quanta persistência!

sábado, 29 de outubro de 2011

O ser humano é uma invenção que deu errado, muito errado. E ponto final.

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

sejamos sãos

não fosse aquele par de chinelos tão desgastados quanto a palavra amor, eu não teria andado tanto tempo com os pés desnudos, expostos a pregos, cacos de vidro, pedras e toda sorte de obstáculos que um longo caminho, o caminho da vida, nos impõe; e tu, está claro, não estaria agora com minhas pernas sob teu colo a limpar um mar de feridas, feridas que não causaste e que por isso mesmo não são tuas. com tanto esmero, lograrás êxito, acredito eu, na cura delas. mas não te deixes levar pela conversa leviana que insiste em dizer que terás tu que fazer-me outro agravo na pele para que eu volte a ti, e mais outro, e depois outro, e outro, e outro, e outro, dando vinda longa, assim, a nosso trato. o que se percebe comumente são pessoas doentes que vivem agredir-se mutuamente sabe-se lá o porquê. mas façamos de nós o que está fora do comum, sejamos sãos: dás saúde aos meus ferimentos, e eu saberei ser-te grato por isso.

segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Pronome Possessivo

Um emaranhado colorido de tubos, tobogãs, escorregadores, piscinas de bola, e ela, Júlia, corria solta por dentro. Sua diversão era entrar por um lugar, sair por outro, e me pegar de surpresa. Eu do lado de fora, preocupado, gritava "Júlia, Júlia, menina, cuidado!", "Júlia, olha o batente!", "Vá com calma, Júlia, com calma!". E Júlia saía correndo, serelepe, com um sorriso estampado no rosto. Correu, correu até que esbarrou de frente com uma menina um pouco mais velha. E eu emendei, sem perder tempo:"Júlia, olhe por onde anda!". A menina que havia sofrido a trombada, ainda no chão, muito atenta ao que eu disse, levanta as sobrancelhas, aponta com o indicador, e diz:"Júlia? Júlia é o nome da minha amiga ali, ó!". A Júlia que é personagem principal desta croniqueta, que não é a Júlia a que se referiu a menina atropelada pela alegria, mas a Júlia minha irmã, já estava lá na frente, nem tinha ligado para o esbarrão de há pouco. Quando ouviu o que a garota disse, olhou para trás com olhos desafiadores, e bradou:"Júlia? Júlia é meu, é meu, é meu, é meu, é meu!". Parou, respirou, e continuou, dessa vez se afogando na piscina de bolas:"É meu, é meu, é meu, é meu..."

(Também da Série 'Te Mostro Quando Souber Ler' - Sem Cadernos)