quinta-feira, 28 de julho de 2011

Uma rua de dedos-duros

Eu, quando menino, era obrigado pelos meus pais e pela minha vó a ir à igreja uma vez na semana. Eu deveria escolher uma das quatro missas do fim de semana (07:00 AM e PM dos sábados e domingos), e ir. Caso contrário, castigos, carões, sermões, tapas, o diabo. Geralmente, ia à noite. Era quando tinha a maior concentração de meninos e meninas da minha idade.

Tempo desses, estava sentado num barzinho, nas redondezas da minha casa, tomando uma cerveja. Eu estava só, tomando uma dessas cervejas existenciais. Num dado momento, chega uma menino, com cara de contrariado, e senta na mesa em que eu estou. Pergunto o que tinha lhe deixado emburrado. Ele exclama:

- Esse negócio de igreja já encheu o saco!

Contou-me que estava indo à missa obrigado, que não queria. Mas sua vó o forçava isso. Devia ter uns 12 ou 13 anos, falava meio em tom de desabafo, meio em tom de ira. A igreja era na esquina, havia uma grande movimentação. De onde eu estava sentado eu via a igreja e a esquina oposta. O menino só via entrada da igreja.

Ele advertiu para que se eu visse uma senhora manca, de preto, assim e assado, avisasse. Na certa seria sua vó. No mesmo instante aponta na esquina oposta uma velha que preenchia todas as características passadas pelo garoto. Mando ele ir para o banheiro, e só sair sob uma segunda ordem.

A velha vem, atravessa a rua. Pára, olha, fala com duas ou três pessoas. Atravessa de volta a rua e se dirige ao bar. No bar, se dirige a mim. Trocamos cumprimentos, boa tarde-boa tarde, e ela me pergunta se eu vi um garoto, assim e assado, entrando na igreja. Respondo afirmativamente que sim. Sou mais preciso: "Entrou aí há uns 10 minutos."

A velha faz uma cara de satisfação. Fala que Deus é a salvação do mundo, que nós devíamos temer a ele, que isso, que aquilo. Eu concordava com tudo o que ela dizia. Não realidade, não concordo. Mas no momento concordei porque não se trava prosa razoável sobre religião com uma senhora fanática; e mais: uma discussão naquele momento iria fazer com que ela permanecesse mais tempo no bar; e ela por ali era um perigo para o garotinho.

A senhora vai embora. Mando o menino voltar. Ele fica por ali na mesa, calado, observando sei lá o quê, enquanto eu tomo outra cerveja. Quando já fazia um bom tempo que a missa tinha acabado, adverti que fosse embora, para que sua vó não desconfiasse de nada. Antes ir embora, ele me diz que ouviu trechos da conversa, e me pergunta porque eu tinha feito aquilo. Eu respondi dizendo que esse negócio de igreja realmente já tinha enchido o saco.

Ele levanta, sai e me sorri. Eu sorrio de volta, um sorriso de cúmplice. Depois, sozinho na mesa, me pus a pensar como seria bom ter encontrado uma pessoa que fizesse o mesmo comigo quando eu era moleque. Quando eu era pequeno, minha vó e meus pais sabiam de todos os meus passos na igreja. A minha era uma rua só de delatores. Uma rua de dedos-duros.