domingo, 11 de dezembro de 2011

vácuo sonoro

De dentro do carro, não se percebeu o que havia acontecido, só atinamos para o trânsito depois da brusca freada, do estridente barulho da buzina, e do sonoro "Poooorra!" emitido pelo condutor do automóvel, meu pai. Júlia, minha irmã, olhou assustada. Passou-se. Algumas semanas depois, uma situação semelhante: buzina e freada agressivas. Júlia percebeu algo incompleto - quase um vácuo sonoro. Esperou reações, elas não vieram. Então, encheu o pulmão de ar e soltou: "Poooorra!". Olhamos impressionados e rimos contidamente para não dar a entender que aquilo era certo. A mãe censura suavemente, quase satisfeita: Júlia, minha filha, isso está errado. Tá certo, mamãe, desculpa.



(Também da série Te mostro quando souber ler)

domingo, 4 de dezembro de 2011

momentos mudos

Eu te amo quando, tranquila, dormes, sem imaginar que eu vigio teu sono. Eu te amo na esquina de casa - com um sorriso leve no rosto - ao fumar o cigarro de tua marca predileta. Eu te amo na viagem de ônibus, indo, sem avisar, ao teu encontro. Eu te amo no bar em que nos conhecemos, ao tomar sozinho uma cerveja aguada. Eu te amo pela manhã, debaixo das cobertas, num sono fingido, contemplando você se arrumar. Eu te amo assistindo àquele filme. Eu te amo ao deixar cair uma lágrima, na fila do banco, porque tocou nossa música em inoportuna hora. Eu te amo arrumando a cama que ficará à espera de nós dois. Eu te amo na carta que nunca te entreguei. Eu te amo nas pequenas descobertas do mundo - a vaidade e o orgulho - de Clarice Lispector. Eu te amo longe do mar. Eu te amo no pôr do sol solitário que não dividi contigo. Eu te amo nas noites que não durmo ao teu lado. Eu te amo ao cheirar tua roupa usada. Eu te amo no silêncio da sala. Eu te amo calado, contido - em momentos mudos, mas que falam de você.