quarta-feira, 6 de abril de 2011
a foto
Não tive noção plena do gesto, foi inconsiente, quando vi, já estava lá, contemplando-a. Acho que ela apareceu do nada, despencou do céu, caiu na minha mão feito chuva, com o perdão da metáfora previsível. A foto resistiu a lágrimas, cigarros, goles amargos na cachaça, nem sei como, mas sobreviveu. O resto, todo o resto, virou lixo, ou cinzas: as missivas, rídiculas como tem que ser; poemas, presentes, roupas, outras tantas fotografias: tudo sucumbiu à dor. Menos aquela foto, ora veja. Ela trouxe à tona desejos há tanto adormecidos, dores há muito anestesiadas, felicidades comum-de-dois, tão minhas e ao mesmo tempo tão delas, que, é claro, eu senti na boca o gosto amargo do jiló da saudade. Eu podia ter passado ileso a tantas lembranças, mas no meio do caminho havia um foto, havia uma foto no meio do caminho, e não adianta lamentar o acontecido, bastá aceitá-lo, assim mesmo, porque tinha de ser. Sem rancor nenhum. Arriscaria, até, com um pouco de ternura. Guardo a foto de novo no alto armário, de onde ela tinha necessariamente que ter saído. Ou não.
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Um comentário:
È...de fato a foto resiste. resiste porque somos covardes e como tal, rasgar retrato seria um ato de vandalismo declarado ao amor. A companhia de um amor resiste tanto, gruda tanto na superfície de nossa saudade-giló que nos tornamos prisioneiro dela, ainda que num retrato amarelado pelo tempo.
Um beijo.
Ana
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