domingo, 27 de fevereiro de 2011

Histórias de Grandeza e de Miséria 6: Quando ele fecha...

Quando ele fecha, não há quem abra. Aliás, há sim. A prórpria pessoa que o fechou pode fazer isso. É uma pena, mas tem gente que fecha. Uma desilusão, uma traição, ou porque deu na telha mesmo, vai lá, sem dó, e passa a chave. Mas uma vez fechado, tudo fica em preto-e-branco. Quem fecha não sabe, só sabe depois que abre de novo, mas fica. A chuva não molha direito, o sol não esquenta alma. A comida é menos gostosa, o cheiro do perfume é rarefeito, mais fraco, sabe, sem aquela força. Resumindo, meu filho, para não me estender mais: quem o fecha não vive direito. Triste daquele que fecha o coração! - conclui a moça que alegra minha viagem de ônibus.

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

Histórias de Grandeza e de Miséria 5: A bola

Era uma segunda-feira. Quando eu cheguei ao recinto, para encontrar meus camaradas, e beber, sim, não me amola, ora, ora!, a bola já estava lá. Rolava por debaixo das mesas, ia de cadeira em cadeira, traçava um percurso de rejeitada. Cada um que desse um chute, um tapa, um chega-pra-lá na bola. A bola. Por um instante, até brincamos com ela. Mas depois, ter aquilo batendo teimosamente nas cadeiras e balançando as mesas tornou-se chato. E era sempre um chute, um tapa, um chega-pra-lá na bola. A bola. Até que eu, para por fim ao pinball etílico, coloquei-a fora da calçada do bar, no meio da rua, de modo a não nos incomodar. Bem pertinho da hora de partir, quando já estávamos sendo expulsos do bar pela chuva e pela escassez de dinheiro, chega um garoto, 15 anos de idade no máximo, e me pergunta:"Ei, essa bola é tua?" Respondo:"Não". Ele, dessa vez mais empolgado, faz outra pergunta:"Tu sabe de quem é?". Eu, lacônico:"Não". O garoto, agora, explode em extase:"Urruu, então é minha!!!". Pegou a bola, saiu correndo em direção ao local onde se encontravam seus amigos, saltou, pulou, gritou. E de onde eu estava, só se ouvia os garotos dizerem:"Aê, bola nova!"; "Vamo jogar na praça!"; "Que sorte da porra, meu irmão, que sorte!"; "Agora a gente mata a secura!". A bola. A bola provou que entre a repulsa e a alegria, a linha é tênue; mostou duas faces da mesma moeda; revelou que o que para um pode não fazer diferença, para outro pode ser motivo de euforia. Numa noite de segunda-feira chuvosa, aprendi tudo isso com a simples história da bola. A bola.

terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

Mário, Fi D'uma Égua, A Culpa é Tua!

Façamos como em todas as copas que o Brasil perde, cumpramos nosso ofício de cristão, apontemos um culpado. Se você não se contém ao ver aquelas duas branquinhas, from the Casa Forte, na Praça do Arsenal, na Rua da Moeda, no Marco Zero, dançado côco e xaxado, você deve também querer saber quem foi o infeliz que inventou essa história.

"Isso é cultura, bicho!", a bela vai dizendo.

E quem causou esse mal todo foi o Dotô Mário de Andrade. Com essa história de "realizar o Brasil", o cabra-véi embalsamou a cultura popular, colocou-a no pedestal, e a classe média vai lá reverenciá-la, expiar a culpa.

Coisa mais linda, né, o Parraxaxá, aquele restaurante com "comidas típicas". A dona moça, que é meio intelectual, meio de esquerda, né não Antônio Prata?, vai lá, levar o amiguinho turista, mostrar a comida que revela "a identidade da região". Show de exotique. Safari em Hellcife.

Minha senhora, quem come cuzcuz não precisa arrogar para si o tempo todo que isso é sua cultura. Ela o é, pronto. O cabra sai de manhã cedinho pra guentar a ôia, enche a barriga de cucuz com charque, e segue firme (até dar a hora do almoço, claro). Ele não carece de resgatar a autenticidade, madame, a autenticidade é ele próprio, se era que isso a sinhora queria saber.

Enquanto teclo essas mal traçadas linhas, a moça que mora numa daquela torres em BV Beach, convida:"Ei, vamo naquele boteco que vende aquela macaxeira delicioooosa?!"

Mário, fi d'uma égua, a culpa é tua!

Flagrantes de Mulher 4: O andar

Uma cena que pode parecer corriqueira, e talvez o seja, mas é uma das belas da mulher. Ela, quando se põe a andar, revela seu segredo do nalançar dos seus quadris. Quem contempla o andar de uma mulher, decifra-a. Com todo seu gingado, rítimico, harmonizar tudo ao redor a sua cadência. O corpo: um marcapasso da alucinação, a cada passo, sintonia, beleza e perdição. Não há triavialidade mais estupenda, mais aprazível. Cena trivial e bela. E sublinho: - bela apenas para quem sabe observar.

domingo, 20 de fevereiro de 2011

A Chuva

O dia amanhece chuvoso, uma chuva forte e constante. Tão forte que parecia querer remover alguma mancha arraigada ao chão. Tão constante que parecia querer levá-la para longe, escorrer do solo para o rio, deste para o mar, assim como o lixo da cidade do Recife.

Mas é inútil. A água da chuva leva a si mesma e leva o que não tem força para ficar. Leva a folha da mangueira, a ponta do cigarro, dois sonhos, uma ou outra verdade. Depois que passa a chuva, muitas coisas ficam. Poderão ir na próxima remessa de água que cair do céu, mas ficam.

Eu considerei que a limpeza que a chuva faz nas ruas é igual à seleção de lembraças que o cérebro faz em nossa memória. Algumas coisas, talvez por desuso, se perdem em nossas recordações, são levadas pela água, não voltam jamais.

Eu considerei também que o que aconteceu entre mim e ela era suficientemente forte para ficar, resistir às chuvas. Ela, que nem sabe da existência desse blogue. Nem dessas lamentações em forma de crônica. Mas imaginemos que ela, por um acaso, achasse esse endereço perdido nos confins do ciberespaço.

Talvez sorrisse, se emocionasse, lembrasse dos lindos momentos que passamos juntos.

Talvez não.

sábado, 19 de fevereiro de 2011

Ah!, a universidade, a casa do saber, é sempre assim: dos muros pra cá, cultura; dos muros pra lá, folclore.
Por um mundo com mais comédias eróticas e menos dramalhões românticos.

Por Um Gerundismo Mais Doce

Pois bem, a manifestação que se iniciou com um mero post no 'facebook', agora se estende até este modesto blogue, pra ficar tudo bonitinho, oficializado, carimbado, papel passado, é assim que a gente quer. S'embora!

Queremos sim, estimada leitora, um gerúndio que soe mais gostoso na prosódia nossa de cada dia. O gerúndio suave, palatável, amaciado pela oralidade popular; linguagem coloquial, como queira.

'Gerúndio com 'd'? Nem fudeno!', é frase mãe, o brado de nosso protesto em prol do da língua certa do povo, o povo que fala gostoso o português do Brasil, como nos soprou o mestre Bandeira, quando evocou o Recife. Vê como fica mais fácil e prazeroso: correno, leno, fumano, jogano, trepano, amano, chorano, bebeno, acariciano, brincano... É ou não é?

Chega de picaretagem classe média 'mui culta', pronúncia bonitinha e correta como manda o figurino, como o ordena o chato do Pasquale. É assim que queremos hablar! Apetecendo a vós, querida leitora, até mesmo Rosano, alcunha de batismo deste que vos fala, mudaria de classe de palavra: deixaria de ser um nome próprio para ser, também, um gerúndio. Veja que coisa mais linda!

Adianto que não serão benquistas ressalvas em contrário. Alguém não se agradando, pode marcar hora e local, com cerveja na mesa, claro, que nós colocaremos os pingos 'is', já que a Dona Arrogante Norma Culta, a mesma que põe obstáculos à nossa manifestação, nos impede agora de assentar os tremas nos 'us'.

E ficamos por aqui, porque já vai mui grande esta pobre crônica.

domingo, 13 de fevereiro de 2011

Flagrantes de Mulher 3: Papel de Puta

No recinto, encharcado de ciúme e rancor, o mancebo dizia os maiores impropérios a sua companheira. Dizia, bebia, voltava, novamente a injuriava. Repetia a operação inúmeras vezes. Mas atente: não existe, querida leitora, coisa mais radiante do que uma mulher que não se subjuga, que não deixa sua moral cair, que não baixa a cabeça para homem nenhum. Ela, mui aguerrida, replicava com energia as censuras ultrajantes que lhe eram impostas. O rapagão, com uma petulância insuportável, não parava: bebia e falava, incessantemente. E foi numa dessas, escorregando na arrogância de quem acredita que o mundo gira entorno de seu pênis escroto, que ele caiu na besteira de dizer, aos berros:"És uma puta, nada mais que um puta!" A moçoila, não vacilou, respondeu-lhe, com firmeza:"O meu papel de puta eu fiz. E você, que não me comeu direito?". Sim, concordo, ele podia ter passado sem essa. No local, estupefatos e maravilhados, todos se calaram e contemplaram a pujança daquela mulher. E eu? Eu, depois dessa, também me calo. Encerro aqui esta reles croniqueta, inviável como de costume.

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Histórias de Grandeza e de Miséria 4: De Pai para Filho e de Filho para Pai

O Coroa... Não, o Coroa não!, soa muito pejorativo. O Senhor... Não, também não, isso soa muito distante para um homem de quase sessenta anos que há pouco me abraçava como menino. Basta: Jojó. Pois bem, Jojó relembra com orgulho seus tempos de jovem moço, recém-casado, indo ao maior bloco do mundo, o Galo da Madrugada, puxando um filho pela mão e carrgando o outro na 'cacunda', logo atrás do trio elétrico, pois atrás dele, como me sopra o mestre Caetano, só não vai quem já morreu. Um alegria, dizia ele, uma maravilha brincar o carnaval de Recife junto com seus rebentos: "Melhor que sonho!!!", abusa Jojó das exclamações. Acontece, e isso é inevitável, o tempo passa, e a idade, ou as limitações que dela decorrem, se sobrepõe a qualquer um. Jojó ainda ia ao Galo da Madrugada, mas não podia pôr os filhos sobre as costas, pois, é sabido, a sua época de homem robusto passou, agora estava um pouco velho, e os filhos grandinhos demais para serem arrastados sobre os ombros. Mas ele queria porque queria refazer todo o velho caminho, ao menos a Rua da Concórdia completa, mas não sabia se aguentava percorrer todo esse trajeto. O rebento primogênito de Jojó lhe pergunta:"Papai, vamos andar a Rua Concórdia como nos velhos tempos?". Jojó replica:"Minha idade chegou, filho, não sei se consigo." Ao que seu filho replica, na lata, sem titubear:"Vamos, Papai, se o senhor farquejar eu lhe carrego nas costas, como nos velhos tempos." E Jojó não conteve as lágrimas que inundavam seus olhos: chorou o choro da gratidão em plena euforia carnavalesca.

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Um crônica ranzina, sobre um domingo ranzinza

Foi há poucos dias atrás, num domingo, não lembro, querida leitora, a data ao certo, mas um domingo. O dia começou com alguns acontecimentos não muito bacanas, uma ressaca mais aguda que de a costume, o tempo meio nublado... E se encerrou com uma derrota do meu clube de coração, o Santa Cruz. Veja só!

Fiquei triste, amuado, cabisbaixo, com cara de poucos amigos. Abandonei, ou ela me abandonou, a alegria que comumente me acompanha. Não fiz gracejos com a leve embriaguez de um amigo meu, não ri do escorregão do outro, abdiquei da oportunidade de contar alguma piada. Sisudo até o talo, era capaz de fuzilar alguém só com o olhar. Não sei, exatamente, o que me abateu. De tudo isso, posso chegar a uma única conclusão: até a alegria tira férias.

Fui para casa ainda melancólico. Esperava uma ligação, um torpedo, um e-mail, um sinal de fogo, amigo!, dela. Mas nada veio. E eu fiquei a mascar o gengibre da desesperança. Um dia após, já curado da minha 'doença da chatice', ponderei, e achei até melhor não ter recebido nada dela. Na situação em que eu me encontrava, corria o risco de dar uma dimensão exagerada a uma atitude trivial, me entendes?

Porém, depois de ditas tantas amenidades, poderás vós me perguntar, de que me interessa tua ressaca, a derrota de teu time, tua chatice, a ausência de tua donzela?, que importância tem isso? E eu vos direi muito sinceramente: nenhuma. Eu não sou um daqueles cabras iluminados que tem a faculdade de contar belas histórias, tal qual Ernest Hemingway em O Velho e O Mar, menos ainda de dar-lhes importância. O que faço, e ainda assim muito mal, é contá-las.

Contudo, e aqui também com toda a sinceridade que me é lícita, digo: deixe de ser folgado, acomodado, preguiçoso. Arrumai vós uma importância para esta pobre história. Ou eu haverei de fazer tudo sozinho?

Pois bem, assim ficamos então combinados: eu conto as histórias, vocês lhe atribuem alguma importância.

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Flagrantes de Mulher 2: Ela, Quando ri

Ela, quando ri, fecha suavemente os olhos, aponta o queixo para o céu, e se desmonta (e me desmonta) numa sonora gargalhada. Eu a instigo, gasto o repertório de piadas chulas: não quero mais que ela pare de rir. Nesse momento, entendi a angústia de Caetano, o poeta baiano, indo ver a bela, a amada, preso por engano, cantando ao policial:'Eu quero ir, minha gente, eu não sou daqui, eu não tenho nada, quero ver Irene rir, quero ver Irene dar sua risada'. Ela, dios mío!, quando ri, faz tudo ser nada: só existe sua graça, riso de quem está levemente embriagada, é pujante, mas também é leve. Eu angustio-me: já não consigo mais encontrar nessa memória embaralhada um piada, um causo, uma anedota que preste! Tenho que dar-lhe combustível: ela não pode parar de rir, eu a quero rindo, ela quer rir-se: sabe que me inebria. Tcharam!, de repente, um estalo, aquilo que parece ser a melhor idéia do mundo. Eu, sorrateiro, pergunto-lhe: "Amor, sabe o que eu mais gosto em você?" Ela: "Não." Eu respondo: "Sua risada, querida, pense numa maravilha!" E ela, desta vez com mais vigor e mais alegria ainda, ri, fecha suavemente os olhos, aponta o queixo para céu, e se desmonta (e me desmonta, carajo!) numa sonora gargalhada.

Histórias de Grandeza e de Miséria 3: Cigarro

Rosano, tu estás indo na contramão, meu chapa, disse-me um companheiro de trabalho. Eu, por que?, indaguei.
É esse cigarro, caramba, ninguém hoje na tua idade é fumante, analisou ele. Deixa isso pra lá, eu repliquei, enquanto tragava o king size da reflexão. Mas ele continuou: um amigo meu, bicho, gente fina da melhor qualidade, mas fumava que nem uma caipora. Era mesmo?, desdenhei. E ele, firme: Era!, só tu vendo, era um rapaz boa pinta, inteligente, safo todo, mas esse veneno começou a definhar ele aos poucos, foi emagrecende, enegrecendo os dentes, deixou até de jogar futebol. "Vôôôôte!", falei bem alto, pra ver se meu companheiro encerrava a narrativa trágica. E ele insistia, dava detalhes, contava o sofrimento dele, dos familiares, dos amigos... Até as reticências de sua fala me davam calafrios. O camarada conclui: até que morreu, tá enterrado em tal cemitério, num túmulo assim, assim e assado. A historieta era melancólica, triste. Fui acometido de uma mal estar (justo na hora da minha sesta!). Aí eu levantei, peguei um pouco de refrigerante, e lhe disse:"Dá licença, depois uma dessas só acendendo um cigarro..."
Moral da anedota: o tiro saiu pela culatra.

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Flagrantes de Mulher 1: O olhar

Eu, com o fone no ouvido, sento à mesa onde se encontrava o aparelho de som, sintonizado em não sei qual rádio, e, sumariamente, abaixo o volume. Ela me pede para aumentar, eu respondo que não. Ela se levanta, aumenta o volume e volta para o local onde estava. Novamente eu diminuo o volume, novamente ela sai de sua cadeira aconchegante, dirige-se até a mesa e aumenta o volume. Eu, chato no último!, abaixo-o mais uma vez. Desta vez ela se enfurece, senta ao meu lado, aumenta de novo o volume, diz que agora vai ficar ali me fiscalizando,"Pronto, quero ver agora!", ergue a cabeça e me olha profundamente nos olhos. Não pisca, quase um presente divino. Dois grandes olhos castanhos a me compenetrar: coisa mais linda. Suspiro e me resigno: ela vence a peleja.

Histórias de Grandeza e de Miséria 2: A Força da Água

A moça sobe no ônibus, com seus pacotes à mão, e oferece o seu produto aos usuários do tranporte coletivo."Pipoca é 50!", é o que ela diz, aliás, repete. Chega junto de mim, me oferece também; reluto um pouco, mas acbado comprando as pipocas, duas para ser preciso. Senta ao meu lado, conta a sua história. Eu vivia bem, ela fala, não passava necessidade, tinha um casa bonita e grande, marido, dois filhos, sempre que podia vinha veranear no Recife, chegava no sábado, pegava a praia domingo de manhã e depois voltava. Agora estou aqui, nessa agonia. E qual a desgraça que te acometeu, mulher?, eu pergunto. Foi a força da água, ela responde, deu cheia na cidade toda, e a força da água destruiu tudo. Tudo não, corrige-se, a força da água não destruiu a fé que a gente tem em Deus. Uns instantes de silêncio. Logo após, ela levanta, respira um pouco, e sai a dizer novamente:"Pipoca é 50!". Eu desci, tomei meu rumo. Ela, foi-se embora dentro daquele monstro vermelho, lutando com a única arma que a força da água não lhe tirou.

Histórias de Grandeza e de Miséria 1: O Dono da frota

Eu, sentado na cadeira do corredor do ônibus, ouvia música, alheio ao mundo. Quando o senhor que estava ao meu lado,na janela, me cutuca e diz:"Eu acho que o homem não deve chorar de barriga cheia". E eu lhe perguntei porque, de onde ele tinha tirado isso, que história era essa, meu caro, ora, ora. E o velho pôs-se a falar de um rapaz, muito amigo seu por acaso, que começou na frota de caminhões como motorista, cresceu, cresceu, cresceu tanto, que virou dono da frota; tinha de um tudo nesse mundo, dinheiro que não acabava mais. E quando alguém lhe perguntava como ia a vida ele bufava, dizia que ia tudo mal, que era um homem muito azarado... Reclamava até do que ainda não tinha acontecido, disse-me o velho. Jogava agouro a si próprio, continuou ele, agouro a si próprio! E com ele está hoje, perguntei-o. Reclamou tanto da vida que ela lhe tirou a forra, perdeu tudo: dinheiro, mulher e reputação. E o que mais? "Mais?!", assustou-se o meu companheiro de viagem. Desgraça pouca é que eu não acho - completou ele.

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

Não Sei se Ela Se Lembra

Eu quando a conheci não tive escrúpulo de minhas palavras nem vergonha do que ela pudesse pensar e sem fazer cerimônia disse-lhe que achava seu sorriso mui belo suas pernas mui calientes seu jeito mui sensual e sua voz mui excitante não sei se ela se lembra.

Quando nos deitamos a primeira vez ela segurou a minha mão e disse-me com os olhos que eu fui deveras dedicado em cada vã posição e eu respondi-lhe também com os olhos que era devoção devoción mi amore e depois desta vez com a boca pedi-lhe em namoro não sei se ela se lembra.

Depois de muito tempo quando nós já estávamos bem íntimos ela disse-me sem mais nem menos e sem explicar o porquê que ia partir que não queria mais saber daqui que era mui inconstante que queria outros ares e outros horizontes eu lhe disse fique fique fique não sei se ela se lembra.

E quando de sua partida eu deixando meu orgulho de lado falei-lhe sinceramente que aquilo era só o final o fechar dos panos o the end caligráfico dos filmes de roliúde e que seria mui bueno que ela guardasse na memória as tardes em que tudo era quase eterno e nós nos banhávamos no mar da lascívia não sei se ela se lembra.

Será que ela se lembra?

Tudo o que eu queria era acreditar que amor não é Alzheimer.
Ouviram do Capibaribe, às margens fétidas, de um povo ecóico, o brado claudicante.