domingo, 11 de dezembro de 2011

vácuo sonoro

De dentro do carro, não se percebeu o que havia acontecido, só atinamos para o trânsito depois da brusca freada, do estridente barulho da buzina, e do sonoro "Poooorra!" emitido pelo condutor do automóvel, meu pai. Júlia, minha irmã, olhou assustada. Passou-se. Algumas semanas depois, uma situação semelhante: buzina e freada agressivas. Júlia percebeu algo incompleto - quase um vácuo sonoro. Esperou reações, elas não vieram. Então, encheu o pulmão de ar e soltou: "Poooorra!". Olhamos impressionados e rimos contidamente para não dar a entender que aquilo era certo. A mãe censura suavemente, quase satisfeita: Júlia, minha filha, isso está errado. Tá certo, mamãe, desculpa.



(Também da série Te mostro quando souber ler)

domingo, 4 de dezembro de 2011

momentos mudos

Eu te amo quando, tranquila, dormes, sem imaginar que eu vigio teu sono. Eu te amo na esquina de casa - com um sorriso leve no rosto - ao fumar o cigarro de tua marca predileta. Eu te amo na viagem de ônibus, indo, sem avisar, ao teu encontro. Eu te amo no bar em que nos conhecemos, ao tomar sozinho uma cerveja aguada. Eu te amo pela manhã, debaixo das cobertas, num sono fingido, contemplando você se arrumar. Eu te amo assistindo àquele filme. Eu te amo ao deixar cair uma lágrima, na fila do banco, porque tocou nossa música em inoportuna hora. Eu te amo arrumando a cama que ficará à espera de nós dois. Eu te amo na carta que nunca te entreguei. Eu te amo nas pequenas descobertas do mundo - a vaidade e o orgulho - de Clarice Lispector. Eu te amo longe do mar. Eu te amo no pôr do sol solitário que não dividi contigo. Eu te amo nas noites que não durmo ao teu lado. Eu te amo ao cheirar tua roupa usada. Eu te amo no silêncio da sala. Eu te amo calado, contido - em momentos mudos, mas que falam de você.

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Se você imagina que ao invés de estar sentado na frente do computador, ensejando uma cena seca, sem cor, sentindo uma sensação de desperdício de tempo e vida, você poderia estar andando por aí, perambulando por um mundo imenso, talvez um momento de distração seja possível. Poder-se-ia estar agora na mesa de um bar, conversando com algum amigo, ou sozinho mesmo, se divertindo ao ver outras pessoas embriagadas; a essa hora, também, seria interessante observar o movimento das águas do rio que, ajudadas pelas águas fortes da chuva, fazem belo espetáculo. Eu poderia, quem sabe, andar até achar um pinheiro, ou um cajueiro, ou um coqueiro, ou qualquer árvore, e parar e olhar para ela, e a partir dela refletir sobre minha vida, reflexões sinceras se possível; e depois contar essas reflexões a alguns amigos íntimos, que são generosos e emprestam seu valioso tempo para ouvir minhas divagações, e depois me envaidecer um pouco com seus elogios a minha rara sensibilidade. Ou, então, ia me dedicar a lamber, e dedilhar, e penetrar, a linda bocetinha da minha amada, que eu conheço tão bem como quem conhece as próprias feridas, e faria ela gozar em urros de prazer, e depois, quase no mesmo instante, eu gozaria também, para o momento ser completo. Mas isso, nada disso, existe. Aliás, existe. Mas é - não direi apenas - fantasia. De real só a mesa, a cadeira e o computador. Que persistem. E, nossa, quanta persistência!

sábado, 29 de outubro de 2011

O ser humano é uma invenção que deu errado, muito errado. E ponto final.

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

sejamos sãos

não fosse aquele par de chinelos tão desgastados quanto a palavra amor, eu não teria andado tanto tempo com os pés desnudos, expostos a pregos, cacos de vidro, pedras e toda sorte de obstáculos que um longo caminho, o caminho da vida, nos impõe; e tu, está claro, não estaria agora com minhas pernas sob teu colo a limpar um mar de feridas, feridas que não causaste e que por isso mesmo não são tuas. com tanto esmero, lograrás êxito, acredito eu, na cura delas. mas não te deixes levar pela conversa leviana que insiste em dizer que terás tu que fazer-me outro agravo na pele para que eu volte a ti, e mais outro, e depois outro, e outro, e outro, e outro, dando vinda longa, assim, a nosso trato. o que se percebe comumente são pessoas doentes que vivem agredir-se mutuamente sabe-se lá o porquê. mas façamos de nós o que está fora do comum, sejamos sãos: dás saúde aos meus ferimentos, e eu saberei ser-te grato por isso.

segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Pronome Possessivo

Um emaranhado colorido de tubos, tobogãs, escorregadores, piscinas de bola, e ela, Júlia, corria solta por dentro. Sua diversão era entrar por um lugar, sair por outro, e me pegar de surpresa. Eu do lado de fora, preocupado, gritava "Júlia, Júlia, menina, cuidado!", "Júlia, olha o batente!", "Vá com calma, Júlia, com calma!". E Júlia saía correndo, serelepe, com um sorriso estampado no rosto. Correu, correu até que esbarrou de frente com uma menina um pouco mais velha. E eu emendei, sem perder tempo:"Júlia, olhe por onde anda!". A menina que havia sofrido a trombada, ainda no chão, muito atenta ao que eu disse, levanta as sobrancelhas, aponta com o indicador, e diz:"Júlia? Júlia é o nome da minha amiga ali, ó!". A Júlia que é personagem principal desta croniqueta, que não é a Júlia a que se referiu a menina atropelada pela alegria, mas a Júlia minha irmã, já estava lá na frente, nem tinha ligado para o esbarrão de há pouco. Quando ouviu o que a garota disse, olhou para trás com olhos desafiadores, e bradou:"Júlia? Júlia é meu, é meu, é meu, é meu, é meu!". Parou, respirou, e continuou, dessa vez se afogando na piscina de bolas:"É meu, é meu, é meu, é meu..."

(Também da Série 'Te Mostro Quando Souber Ler' - Sem Cadernos)

quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Hiato

Entre uma parada de ônibus e outra, corro, corro para chegar mais rápido, sem atraso. Entre um dia e outro, durmo, durmo para suportar o peso do dia que vem. Entre um trago de cachaça e outro, fumo, fumo para aquecer a garganta. Entre uma crônica e outra, leio, leio para me distrair com os grandes. Entre um gozo e outro, respiro, respiro para aliviar as batidas do coração. Entre uma conversa e outra, me calo, me calo porque o silêncio também é sabedoria. Entre uma dor e outra, sorrio, sorrio porque não só de tristezas se faz a vida. Mas entre uma vez que te vejo e outra, me diz o que eu faço, me diz o que eu faço quando de ti sou apartado!

segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Voyeur Incomum

Voyeur incomum, estirado no chão, no chão da terra que leva uma exclamação de beleza a cada pronúncia, contemplava a dança das nuvens. Doce e lenta dramaturgia, palco das minhas fantasias. Compasso ritmado de moléculas de água condensada, que quando se precipitarem, virarão chuva, aqui ou lá. Mas, por ora, enquanto não despencam do céu, são minha distração, desenham corpos, desenham caras, desenham cenários. E me levam com elas, para bem longe. De resto, lembro apenas da inveja do mar, que se atirava violentamente contra as pedras. Voltava, se preparava, e de novo. Fazia barulho ensurdecedor. Não se conformava, frente a seu gigantismo e imponência, não ter a minha atenção. Tentava, em vão, dissuadir-me de enxergar a minha amada no espetáculo das nuvens.

quinta-feira, 28 de julho de 2011

Uma rua de dedos-duros

Eu, quando menino, era obrigado pelos meus pais e pela minha vó a ir à igreja uma vez na semana. Eu deveria escolher uma das quatro missas do fim de semana (07:00 AM e PM dos sábados e domingos), e ir. Caso contrário, castigos, carões, sermões, tapas, o diabo. Geralmente, ia à noite. Era quando tinha a maior concentração de meninos e meninas da minha idade.

Tempo desses, estava sentado num barzinho, nas redondezas da minha casa, tomando uma cerveja. Eu estava só, tomando uma dessas cervejas existenciais. Num dado momento, chega uma menino, com cara de contrariado, e senta na mesa em que eu estou. Pergunto o que tinha lhe deixado emburrado. Ele exclama:

- Esse negócio de igreja já encheu o saco!

Contou-me que estava indo à missa obrigado, que não queria. Mas sua vó o forçava isso. Devia ter uns 12 ou 13 anos, falava meio em tom de desabafo, meio em tom de ira. A igreja era na esquina, havia uma grande movimentação. De onde eu estava sentado eu via a igreja e a esquina oposta. O menino só via entrada da igreja.

Ele advertiu para que se eu visse uma senhora manca, de preto, assim e assado, avisasse. Na certa seria sua vó. No mesmo instante aponta na esquina oposta uma velha que preenchia todas as características passadas pelo garoto. Mando ele ir para o banheiro, e só sair sob uma segunda ordem.

A velha vem, atravessa a rua. Pára, olha, fala com duas ou três pessoas. Atravessa de volta a rua e se dirige ao bar. No bar, se dirige a mim. Trocamos cumprimentos, boa tarde-boa tarde, e ela me pergunta se eu vi um garoto, assim e assado, entrando na igreja. Respondo afirmativamente que sim. Sou mais preciso: "Entrou aí há uns 10 minutos."

A velha faz uma cara de satisfação. Fala que Deus é a salvação do mundo, que nós devíamos temer a ele, que isso, que aquilo. Eu concordava com tudo o que ela dizia. Não realidade, não concordo. Mas no momento concordei porque não se trava prosa razoável sobre religião com uma senhora fanática; e mais: uma discussão naquele momento iria fazer com que ela permanecesse mais tempo no bar; e ela por ali era um perigo para o garotinho.

A senhora vai embora. Mando o menino voltar. Ele fica por ali na mesa, calado, observando sei lá o quê, enquanto eu tomo outra cerveja. Quando já fazia um bom tempo que a missa tinha acabado, adverti que fosse embora, para que sua vó não desconfiasse de nada. Antes ir embora, ele me diz que ouviu trechos da conversa, e me pergunta porque eu tinha feito aquilo. Eu respondi dizendo que esse negócio de igreja realmente já tinha enchido o saco.

Ele levanta, sai e me sorri. Eu sorrio de volta, um sorriso de cúmplice. Depois, sozinho na mesa, me pus a pensar como seria bom ter encontrado uma pessoa que fizesse o mesmo comigo quando eu era moleque. Quando eu era pequeno, minha vó e meus pais sabiam de todos os meus passos na igreja. A minha era uma rua só de delatores. Uma rua de dedos-duros.

terça-feira, 12 de julho de 2011

As Melhores Manchetes

Eu queria exercer o ofício de editor. Não para ganhar dinheiro - não acredito que um editor receba um grande salário. Queria mesmo era realizar uma antiga vontade: fazer uma antologia com as aquelas manchestes que, por si só, já valem mais do que toda a notícia. O título do livro poderia ser o mesmo dessa crônica; e o motivo de escrevê-lo, o frequente fascínio que algumas manchetes inusitadas causam nos leitores.

Não sou editor, não vislumbro assinar um livro. E tendo em vista que todo espaço que me cabe, cabe aqui nessa lapela, compartilho com vocês algumas das tais manchetes.

A primeira, publicada no dia 20/04/2008: "Padre que voava pendurado em balões desaparece". Suspeito que Deus o tenha levado para junto de si.

Esta outra, do dia 26/07/2011, é da série 'Trepadas Mal Sucedidas':"Cão apavora clientes de motel".

No dia 08/07/2011, a humanidade conheceu métodos peculiares de proteção contra zumbis: "Manual contra zumbis é distribuído na Inglaterra". Esta, amigo(a), você tem que guardar para mostrar aos seus(uas) descendentes.

Em 11/06/2006, foi registrado o primeiro assalto de uma múmia:"'Múmia' rouba banco nos Estados Unidos". Habitantes do Egito e adjacências, todo cuidado é pouco.

E se alguém quiser casar com uma vaca? Não são modos, digamos, arrazoados. Mesmo assim, ora veja, que case! Mas estranho mesmo é pedir permissão: "Russo pede ao presidente para casar com vaca".

Esta aqui: "Banhista é surprendida com bezerro que caiu do céu". Me abstenho de qualquer comentário.

Qual o melhor lugar para comprar maconha? Por mais diferentes que sejam as possíveis respostas, não acredito que você tenha feito igual a nossa amiga: "Mulher tenta comprar maconha em delegacia".

E esta: "Homem consegue prever o futuro das pessoas pelas nádegas". Inusitada, não?

Esta aqui é da série "Pega essa promoção!": "Mulher compra videogame e recebe meias sujas".

Mas, tá bom. Chega! Com essa aqui eu me calo:"Defesa de acidentado diz que unicórnio dirigia".

-----

Se você, caro(a) leitor, chegou até aqui, ajude-nos também nesta singela coleção.

Os links de todas as manchetes citadas na crônica estão logo abaixo nos comentários.

segunda-feira, 27 de junho de 2011

Chamava-se Janecildestelita

Seu pai quis homenagear sua mãe. Não contente isso, quis homenagear suas tias. Até aí, nenhum problema. O problema era querer fazer issso em apenas um único nome. Podia ter feito em três ou quatro, ou, até mesmo, de outras maneiras. Mas tinha que ser em um nome. Janaína, a mãe. Neci, Cilda, Estela e Carmelita, as tias, por ordem decrescente de idade. Dessa mistura, o nome da moça: Janecildestelita.

De tudo isso, o mais impressionante era a capacidade que o pai da menina tinha em fazer contrações de nomes. Realmente impressionante!

Quando eu conheci Janecildestelita eu tinha 13 ou 14 catorzes anos, idade em que estamos ainda verdinhos, não sabemos o que queremos direito. Ela já tinha uma certa fama no interior de Pernambucano. Tocava sanfona e gaita, ao mesmo tempo, com uma habilidade incrível. Porém, o mais extraordinário era uma pessoa só, gozar de uma reputação só, mas com vários nomes.

Explico: aqueles que tinham mais afinidade com a mãe a chamavam de "Jana"; os que gostavam mais da primeira tia a apelidaram de "Necinha"; os partidários da segunda, de "Cildinha". As duas outras tias a chamavam de Jana. E assim ficava, uma pessoa, uma glória, e três nomes.

Lembrei da moça, e de sua inusitada história, porque a pouco tempo, através de notícias trazidas por minha vó, fiquei sabendo que a mulher faleceu. Morreu de pneumonia, coisa rara hoje em dia. Alguns dizem que foi maldição, olho grande, inveja. Mas deixemos isso de lado.

Como ia dizendo, lembrei da moça. Mais do que isso: lembrei de como toda a sua história me impressionava. Eu ficava boquiaberto com um nome tão grande, uma moça tão bonita, depois três nomes repartidos, um furdunço.

Mas como já foi dito, eu a conheci com 14 anos. Nessa idade, a gente ainda não tem "discernimento das coisas", como nas palavras de vovó. Não só isso, eu não sabia, por exemplo, que uma mulher impressionante, arrebatadora, dessas que deixam a gente de queixo caído, pode ter um nome curto, formado por apenas três letras e três sílabas, e se chamar Bárbara.

Apenas isso, bela e simples: Bárbara.

sexta-feira, 10 de junho de 2011

A Crônica

A crônica, coitada, sempre foi tida como a prima pobre da literatura. Coisa boa de verdade era romance, poesia; coisa de escritor mesmo, escritor que se preze. A crônica, que quase sempre vinha nos jornais, e ajudava os escritores a ganhar umas patacas, só veio ser revalorizada com o advento da internet, tudo muito rápido, tá aqui, não tá, eu quero é ler coisa curta!

Tem que aquelas, sabe, que veem fáceis, na leveza do vento. Vamos pensar em escrevê-la, e, quando damos por nós outra vez, pronto, ela já está lá. Uma beleza de lirismo. Tá bom, exagerei. Mas fica bacana mesmo. Fica parecendo uma crônica de cajueiro ou de passarinho, como as de Rubem Braga, um rapaz que gostava de falar sobre essas coisas aparentemente frívolas. Mas digo, fica só parecendo mesmo, assim, bem de longe, e ainda contando uma boa dose de generosidade na crítica.

Outras, vilge maria!, são um aperreio. É tirar a gotinha do leite literário de uma pedra carrancuda. Puxa, rasga, prega, estica: - e o suor pingando da testa. Faz mais um pouquinho, briga com as palvras, e ela, acanhada, toma corpo, bem devagarinho. No final, é aquela coisa chocha, fraca, saco vazio não para em pé, narrativa tacanha, mesquinha.

Tem umas que eram só coisa corriqueira, notícia de jornal, que a gente teima em botar no papel e enhcer de floreios. Outras tantas, é para gente ler no ouvido da amante, como aquelas de Antônio Maria. Algumas vão nascendo com um pé na poesia, mas disse que é crônica, pronto, é crônica. Duvida? Leia "O Amor Acaba" de Paulo Mendes Campos.

Umas são meio meio conto, meio crônica, como 'A Vida Como Ela É..." de Nelson Rodrigues. Com outras a gente já aprende a meter carapuças no sujeito que passa na nossa frente, como as do Padre Lopes Gama. Já outras, como as de Sérgio Porto, o Stanislaw Ponte Preta, são de uma genialidade que você custa a crer que elas são de verdade.

Outras tantas, sabe, você tá me entendendo?, são de uma pobreza incrível, sabe, a gente vai escrevendo, uma crônica que fala sobre a crônica, escassez de assunto, ausência de um bom mote, sabe, você me entendeu?

domingo, 5 de junho de 2011

Filme Roliudiano

Os filmes de Roliúde sempre despertaram meu interesse. E o que mais chamava a minha atenção era a facilidade. Na tela prateada da ilusão, tudo era muito fácil, demasiado simples, transcorria sem aperreios. Se você, na mão, tinha uma palito de fósforo, mas não tinha uma caixinha para riscá-lo, isso não era problema. Ele podia ser acendido na parede, e na ausência de uma por perto, a sola do sapato servia perfeitamente.
No bar, restaurante ou coisa de mesmo gênero, ninguém pedia, como os meros mortais, a conta, por favor, garçom! Bastava deixar o dinheiro na mesa ou no balcão, levantar e sair, sem se preocupar com o troco. O dinheiro, por sua vez, já constituia uma imensa facilidade. Bastava por a mão no bolso, e lá estavam as notas do dólar norte-americano, verdes, vibrantes. Era do bolso, também, que brotava o cigarro, sempre avulso, que o ator principal fumava. Fumar, no caso, dar dois tragos, lembrar-se de um problema colossal, largar o cigarro no chão, e partir.
Se havia algum grande esforço, ele era só aparente, a título de dramatização. Tudo corria leve, frouxo.
Ontem, havia um palco. Nele, uma banda que tocava invarialmente forró. Ao redor do palco, pessoas, muitas pessoas, barracas que vendiam comidas juninas, cerveja, refrigerante. A certa altura da festa, ouvem-se dois tiros. Uma pessoa havia sido assassinada. A banda para de tocar o forró, as pessoas param de dançar. Todos procuram, com os olhos, o local onde havia ocorrido o fato. Logo, no meio da multidão, passam dois homens, um carregando o outro, o outro, provavelmente, já morto. As pessoas se esticam, olham. O homem que carregava o outro homem some na multidão. A banda volta a tocar o forró, as pessoas voltam a dançar. Tudo muito fácil, muito simples. Ninguém perplexo. As pessoas comem, bebem, dançam.
Do morto, no local, só a mancha de sangue no chão. Mas ninguém mais se preocupava com isso. Isso, aliás, parecia que nem tinha ocorrido, de tão afiada que era a habilidade de não se deixar abalar por um homicídio.
E eu, sufocado pela alegria leviana,cheguei à conclusão óbvia: - a banalização da violência tem um 'quê' de fime roliudiano.

sexta-feira, 3 de junho de 2011

Para Viver Mais

- O cigarro mata, mata mesmo.

- E só viesse descobrir isso agora?, depois de seis anos fumando?

- Não, claro que não!, mas é que só hoje a ficha caiu...

- E vais parar mesmo?

- Vou! - Joga a bituca do cigarro pela janela do carro.

- Estou gostando de ver.

- Você vai gostar de ver quando eu tiver com 90 anos de idade, vou viver muito. Parei de fumar para viver mais.

Para aumentar a expectativa de vida, largou o tabaco. Quatro anos depois, toma um susto. Na final do campeonato, seu time leva um gol, de bicicleta, no finalzinho do segundo tempo, perdendo a partida e o título. A emoção foi grande, ele nao resistiu. Caiu no chão com a mão no peito, e pensou: - como seria bom um último cigarro antes de partir.

quarta-feira, 1 de junho de 2011

Balada de Glorfindon

Olá pessoal estou aqui para deixar mais uma poesia para vocês espero que gostem e não deixem de comentar!

Não tem muito haver com o poema, mas é uma imagem legal


Balada de Glorfindon


Nos verdes campos de Atergion
Morava um elfo ferreiro
de nome Glorfindon
de joias um poderoso refinador.

Em um outono belo.
Por Leowyn se apaixonou.
Seu coração imortal palpitou.
E a ela seu amor entregou.

Para provar sua devoção
em terras de escuridão
Buscou um minério raro.
Azul e belo como o horizonte.

Então no fogo ardente
e no tinir do martelo pulsante
Lapidou e formou belamente
Um anel que como estrela brilhava a noite.

Em cortejo pediu à Leowyn sua mão.
E ela com um sorriso retribuiu a paixão
E na primavera posterior.
Eles se uniram formando um só.

Mas triste é o desfecho dessa canção.
Pois uma batalha ameaçou essa paixão.
Mostrando que nem os elfos podem escapar.
Das lamurias que assolam as almas.

Em uma noite de grande lua.
A carruagem elfica se dirigia para Areliária.
Mas sua viajem foi interropida
Por um assalto que culminou em batalha.

Leowyn com o barulho chorava.
Enquanto Glorfindon a espada empunhava.
Orcs ateavam chamas e atacavam com massas.
No furor de uma batalha dramática.

Até o amanhecer perdurou o combate.
Elfos e orcs encontraram a morte.
No chão havia dor e sangue.
Mas a tristeza ainda seria mais forte.

Pois ao chegar em sua carruagem
Glorfindon chorou.
Ao ver o corpo da elfa que um dia amou.
Sabor amargo em seus labios provou.

E nem a lembrança de sua paixão.
Ficou em suas mãos.
Pois o anel de Leowyn na batalha foi perdido.
Levado por orcs ou furtado pelo destino.

E desse tempo até seu fim.
Chorou nas terras elficas de Aurim
Siliencioso e tão amargo.
Glorfindon o ferreiro solitário.

sábado, 21 de maio de 2011

Um Lugar para Chamar de Seu

E enquanto morar debaixo desse teto, tá me ouvindo, me deve satisfação. É a frase que muitos filhos devem ter ouvido de seus pais, descontado o tom mais ou menos agressivo e autoritário, que vai variar de pai para pai, e de filho para filho também, afinal estamos longe de sermos bons exemplos, justiça seja feita.

Nem sempre a saída é compulsória, ânimos que se agitam, estopim que resulta com um dos lados (quase sempre o do filho) de mala feita, a caminho sabe-se lá de onde. Às vezes, e é bom que seja assim, é só mais um cilco da vida que se encerra, e outro que se inicia. As lágrimas que despencam dos olhos tristes são de uma saudade antecipada, temperadas apenas com uma dose de possessividade das mães para com suas crias.

E nós sabemos que a autonomia e a liberdade são duas moças muito aprazíveis, mas a acompanha uma senhora um tanto exigente chamada responsabilidade. Porque vai chegar a hora que irão tocar a sua campanhia pedindo para falar com o(a) dono(a) da casa, e você vai ter que dizer:"Sou eu!".

Mas isso a gente aprende, nem que seja através de martelada. Por que a vida, viu, é assim: enquanto a gente não morre, a gente aprende.

Ponderações (necessárias) à parte, você há de convir o quão bonito é um filho que se emancipa, que, como diziam nossas mães, com licença Dona Betânia, tornam-se donos(as) dos seus narizes.

Eu na casa de um amigo, pego um cigarro e vou me dirigindo lentamente até a porta, quando sou interrompido:

- Pode ficar aí, camarada, a casa é minha.

Foi uma das coisas mais belas que já ouvi.

segunda-feira, 9 de maio de 2011

As Comportas Se Abriu, Laiá lalaiá

Foi há quase uma semana, precisamente na quinta-feira, quinto dia do mês corrente. Eu estava, como de praxe, na sala 173 da Reitoria, vendendo minha força de trabalho por um auxílio miserável, apenas para me manter na UFPE.

Era fim de expediente, eu já me dava como 'largado', e estava no computador, gerenciando as minhas mil redes sociais. No facebook, vejo o aviso no mural de vários amigos: "A UFPE cancela as aulas da noite" ou "Não haverá aulas na UFPE hoje", ou qualquer coisa que o valha.

Até então, não sabia dos motivos, mas desconfiava que fosse por causa da chuva. Achei muito estranho, pois aquele era o dia que menos tinha chovido naquela semana. Mas tudo bem, quero nem saber, vou embora para casa, foi o que eu pensei.

Chego na parada, acendo um cigarro, compro uma 'jujuba', mas o ônibus demora. Rapidamente, começo a ouvir os comentários:"Vai dar cheia e esse ônibus não chega!".

Como o ônibus insistisse em não chegar, resolvi ir até o meu querido prédio, o CFCH.

No caminho, pessoas correndo, aflitas, carros saindo às pressas. Apenas para me certificar, pergunto a uma moça que passava correndo, de longe:"Vai ter aula hoje?", ela responde:"Foi cancelaaado, vem água aí!".

Continuo andando, perto do CAC, um gringo em pânico me diz com um português arrastado:"As comportas se abriu!". Eu me finjo de espantado:"Com'é que é?", ele responde, já distante:"Tapacurá! Tapacurá!".

Pronto, já sabia o que estava acontecendo. Uma reedição do que ocorreu em 1975, época em que eu não era nem nascido, quando se espalhou por toda a cidade o boato de que a barragem de Tapacurá tinha se rompido. Dessa vez, versão 2011, eras as comportas que tinham sido abertas. As comportas da barragem de Tapacurá que, pasmem, nem comportas tem.

No DA de Ciências Sociais um informativo criativo:"Leilão do DACS cancelado por motivos aquáticos". Ri à beça, enquanto resolvia com Frances, Bruna e Berlano para qual bar iríamos. Nesse momento, Kleiber já nem podia subir no prédio "por determinação do reitor".

Minha mãe me liga e tasca a frase clássica, ouvida por tanta gente naquele dia:"Meu filho, você tá aonde?". Disse onde estava, que iria demorar um pouco para chegar, mas que tudo estava tranquilo, que ela nem precisava esquentar a cabeça. Mas ela continuou aflita, nervosa, falando dez palavras por segundo, aí eu tive que usar a tática do 'Relaxa, mãe'. Repeti "Relaxa, mãe" umas cem vezes, até ela desligar o telefone na minha cara.

Vou para o bar, bebo uma cerveja não muito boa, mas que quebra o galho, jogo dominó, ganho várias partidas com minha companheira Frances, mas levo duas buchudas de Kleiber. Tô engasgado até agora. Ruivo, se ligue, tem volta.

No final da noite, volto para casa chateado por não ter dinheiro para ir ver Odair José e Reginaldo Rossi no Festival da Seresta, mas tranquilo, espalhado num ônibus vazio, contente por não ter pego engarrafamento, parodiando Chico Buarque:

"Hoje as comportas se abriu, laiá lalalaiá"

quarta-feira, 4 de maio de 2011

Como uma Pétala

Como uma Pétala

Procure pelas pétalas douradas do girassol
Voando nas costas do vento elas vão
Até lugares longínquos
Onde a vida é um sorriso

Eu queria viver a sua ilusão
Rasgar a mortalha do tempo
Nunca crescer, para sempre jovem ser
Longe da falta que o coração inunda

Se eu pudesse seguir a primavera
Se eu pudesse ser uma pétala
Eu encontraria Deus e o abraçaria
Uma paixão bela eu também provaria

Escrevendo ilusões para ninguém
Talvez um dia as poesias sejam ouvidas
E os anseios do garoto que elas velam
A beleza de um sentimento sincero

Enquanto isso as pétalas dançam...
Em nome do tempo que já foi e nunca esteve
Em nome de um coração amante
Em nome do poeta triste

Seu eu pudesse ser como luz
E voar entre tempos e dimensões
Seu eu pudesse ser uma pétala
Ao mundo mágico carregado seria.

segunda-feira, 2 de maio de 2011

Três Pães de Queijo

Quando eu cursava a 7ª série do Ensino Fundamental, ali por volta dos 12 ou 13 anos de idade, meu grande sonho era comer três pães de queijo na hora do recreio. Sonho pequeno, eu sei. Mas quase todos os meus colegas, de séries anteriores e posteriores, podiam comer três pães de queijo na hora do intervalo. Se não o faziam, era simplesmente porque não queriam. Eu não fazia. Não fazia porque não podia.

Em dia bom, papai e mamãe folgados financeiramente falando, eu comia um. Apenas um pão de queijo. O que, saliente-se, era muito triste! Eu não sabia o que era pior, não subir naquele banco redondo da lanchonete, que era o que corriqueiramente acontecia, pois eu estava sempre sem grana para os ditos três pães, ou subir e descer rapidamente, comendo apenas um, não gozando plenamente da minha glória. Coito interrompido, ora pois.

Alimentei esse meu 'complexo de vira-latas' por um bom tempo.

Alguns anos depois, quando eu já havia deixado a escola, resolvi que era o momento de matar meu desejo de uma vez por todas. Suei mais do que o marcador de Messi, se a paráfrase atualizada com o grande Sérgio Porto é válida, para conseguir separar um trocado para o três pães de queijo. Ganhava uma merreca como estagiário, vivia com a corda no pescoço.

Mas me organizei, guardei o dinheiro e fui lá. Cheguei seguro de mim, confiante na vitória, me espalhei no banco, sorriso que alcançava as duas orelhas, enchi a boca e disse:

- Três pães de queijo, e uma coca para acompanhar. Por favor.
- A gente não vende isso mais não! Esse pão seboso e remoso não tava dando mais lucro!

A respota da dona da lanchonete abalou meu coração. Com toda certeza, eu seria uma pessoa mais feliz se tivesse comido os três pães de queijo.

sexta-feira, 29 de abril de 2011

A Serventia dos Livros

Não que gostasse de carregar peso, mas Marco Aurélio passava dias e dias segurando uma caixa de livros. Para onde fosse, levava consigo a caixa. Se era indagado sobre o porquê, dava uma resposta convincente, porém evasiva: "É para o bem de todos."

No pequeno vilarejo, muito antigo, o tempo parecia que havia estancado. Avanço das ciências não se encontrava por ali. Tudo o que se tinha, fora conseguido dois meses antes, numa das pescarias coletivas para alimentar as famílias do local, onde encontrou-se uma caixa cheia de livros. A caixa que Marco Aurélio empunhava.

Marco Aurélio, sabe-se lá como, conseguia entender o que estava escrito naqueles livros. Durante as duas primeiras semanas, não dormiu. Dedicou-se aos livros, devorou-os todos. Logo após, isso, claro, depois de seu descanso de quatro dias ininterruptos, iniciou algumas obras no vilarejo, com o conhecimento adquirido dos livros.

Ninguém precisava mais andar até o rio se precisasse de água, agora tinham um poço ao alcance da vista; as comidas não era mais estragadas, tinham um novo método de conserva; as roupas não eram mais trapos pesados e sujos, mas tinham uma corte que, ao mesmo tempo que facilitavam os movimentos, também não deixavam que fossem acometidos pelo frio; os intrumentos de caça e pesca já não eram rústicos, eram mais afiados e resistentes; dentre outras coisas que tornava a vida menos difícil.

Em pouquíssimo tempo, o vilarejo era outro. As casas eram de alvenaria, e não mais de palha. As ruas eram calçadas e numeradas, existiam cercas, barcos grandes e resistentes, o plantio de legumes e verduras. Tudo estava mudado, e todos agradeciam o empenho de Marco Aurélio.

Marco Aurélio agradecia, o clima era amistoso.

Porém tudo isso viria abaixo em pouco tempo. O vilarejo fora acometido por um desses grandes desastres naturais. Nada restou em pé naquele lugar, nem a autoestima daquele povo. Com tudo destruído, não sabiam como iriam sobreviver. A todo instante, em pânico ou não, pediam ajuda a Marco Aurélio. E este, já não sabia mais o que fazer.

Numa das noites mais frias, Marco solta pela primeira vez em muito tempo a sua caixa de livros. Os apruma bem no meio da roda de pessoas, tira um líquido inflamável do bolso e toca fogo nos livros.

- É só para isso que os livros servem!

Foi o que exclamou Marco Aurélio, antes de morrer de frio como metade do vilarejo.

domingo, 17 de abril de 2011

Pra não dizer que não falei das flores

Na casa de minha pequena, no canto da sala, num vaso trivial, mas não feio, encontrava-se um ramalhete de flores. Estas, sim, pode-se dizer de boca cheia: - eram bonitas! Mas também não deixavam de ser triviais.

Das flores, eu pouco sabia. Sabia apenas que estavam ali, e que enfeitavam um canto da sala antes inerte. Minha pequena, a todo instante, porém sem palavras, me insinuava a presença das flores. Como se quisesse que eu constatasse explicitamente, leia-se oralmente, a presença do que já era, por si só, latente. E passeava para cá, para lá, sempre na frente das flores. Buscava coisas, objetos, quase sempre sem motivo, e sempre perto das flores.

Não notar as flores, naquele momento, era não notar ela.

Na momento da despedida, com a porta quase fechada, eu me viro e digo:

- Muito bonitas as flores ali do canto da sala.

Por favor, não me apregoem Geraldos, Vandrés, ou hinos fraternos de apelos a uma revolução política.

Eu falei das flores. E apenas pra não dizer que não falei das flores.

sábado, 16 de abril de 2011

Aquilo

Não que ela fosse áspera, mas naquele momento a paciência lhe era ausente. Estava farta. De quê? Do silêncio angusntiante do elevador, do 'bom dia' cordial e obrigatório, das companhias que lhe faziam ausente, das tabelas matemáticas, tantos e tantos por cento, funções logarítimicas e exponenciais, pessoa humana, ser, sentido e senbilidade: calculada, presa e metrificada.

Chega de fugas e evasões sem sentido: silenciar junto com uma mata verde apenas tranquiliza, não soluciona. Drogas & narcóticos outros tão somente entorpecem, não resolvem. E nem se fale em práticas medititativas copiadas tais e quais receitas de bolo!

E não são lícitas, aqui, metáforas literárias previsíveis: "vida opaca" e "mundo cinza" não contemplam uma vida chorosa num quarto fechado e frio.

Naquele instante, agarrada a uma fotografia, ela chorou e soluçou aquilo. Aquilo que ela nem sabe o quê.

terça-feira, 12 de abril de 2011

A Vida Continua Triste

O nome dele não era Sizenando, era Roberto. E talvez a única semelhança entre os dois era naturalidade de Goiás. Roberto, quase 30 anos, alguns fios de cabelos brancos e um amor para lamentar. Ele dizia, pressionando o cigarro entre os dedos médio e indicador, que não conseguia se conformar com aquilo.

Por aquilo, entenda-se a troca que Gabriela fez: deixou ele para ficar com um "infeliz", como Roberto o definia.

O "infeliz", dizia-me o desiludido, não faz café da manhã para ela, não escreve poemas, não compra bolo de chocolate, não manda torpedo sms pela manhã para alegrar o dia, não vai almoçar com sua tia chata. "Nenhuma qualidade", conclui Roberto. Não perguntei, mas, decerto, o "infeliz" também não sabia nada sobre esperanto.

"A vida tem dessas coisas, Roberto, fica tranqüilo", disse eu. "Isso não serve de consolo!", respondeu-me com voz trêmula. Um sopro e ele se desmanchava em choro.

Roberto estava certo, o que eu disse não servia de consolo. Na realidade, naquele momento, nenhuma palavra serviria de consolo. A cerveja que o embriagava era mais solidária do que as minhas palavras, ora pois. Para que falar numa situação daquelas? Tudo o que Roberto precisava ele tinha naquele momento: cigarro, álcool e alguém que ouvisse suas lamentações.

Eu me resignei ao meu silêncio cada vez mais. Um silêncio companheiro, de quem sofre junto. E me pus a pensar que, dos dias de Sizenando até hoje, passaram-se mais de cinquenta anos. E nada mudou: a vida continua triste.

Muito triste, Roberto.

sábado, 9 de abril de 2011

No refrão da Canção para o Oceano


O bardo dedilha sua harpa.
Cordas de ouro expandem a música.
Uma canção de ninar para o oceano.
Um poema para acalmar o espírito melancólico.

Em cada nota de sua música milenar.
De minhas poesias posso lembrar.
O sorriso que outrora tive.
uma memória agora húmida e triste.

No refrão da canção para o oceano.
Eu entrego a tempestade da minha alma.
No movimento pendular das ondas prateadas.
Eu deixo a melodia velar meu pranto.

No refrão da canção para o oceano
Os meus versos embalam meu sono.
Uma fuga do triste outono.
Uma busca à primavera 
inalcançável.

O bardo que toca a harpa dourada.
Talvez em meio as eras futuras e passadas
Seja um fantasma de minhas lúgubres lágrimas.
A expressão da ausência de minha fada.

E sua música doce a minha desolação.
O grande oceano o indomável coração.
A caixinha de segredos e mentiras.
do pequeno garoto coroado com estrelas sem vida

No refrão da canção para o oceano.
Repousa um mistério milenar.
Uma poesia silenciosa.
Uma paixão à deriva.

quarta-feira, 6 de abril de 2011

a foto

Não tive noção plena do gesto, foi inconsiente, quando vi, já estava lá, contemplando-a. Acho que ela apareceu do nada, despencou do céu, caiu na minha mão feito chuva, com o perdão da metáfora previsível. A foto resistiu a lágrimas, cigarros, goles amargos na cachaça, nem sei como, mas sobreviveu. O resto, todo o resto, virou lixo, ou cinzas: as missivas, rídiculas como tem que ser; poemas, presentes, roupas, outras tantas fotografias: tudo sucumbiu à dor. Menos aquela foto, ora veja. Ela trouxe à tona desejos há tanto adormecidos, dores há muito anestesiadas, felicidades comum-de-dois, tão minhas e ao mesmo tempo tão delas, que, é claro, eu senti na boca o gosto amargo do jiló da saudade. Eu podia ter passado ileso a tantas lembranças, mas no meio do caminho havia um foto, havia uma foto no meio do caminho, e não adianta lamentar o acontecido, bastá aceitá-lo, assim mesmo, porque tinha de ser. Sem rancor nenhum. Arriscaria, até, com um pouco de ternura. Guardo a foto de novo no alto armário, de onde ela tinha necessariamente que ter saído. Ou não.

terça-feira, 5 de abril de 2011

meu amor

meu amor já vinha de longe decidida, pra fazer, acontecer, pintar o sete, ora essa, porque ela sabe! meu amor suou o suor do desamor e veio enfurecida, vingar, ela pode, podem todas, e ai de quem disser contrário; lá na terra dela não se via amor andando, era coisa distante, de livro e de poema, e olhe lá, mas meu amor ia mesmo, e foi; meu amor me chamou de "meu amor", alcunha que eu pensava que ela nunca mais me daria, e nem ela queria dar, só deu porque queria se vingar, não de mim, mas de outro, porque, repito, ela pode, todas podem! meu amor disse que meu cheiro era cheiro de amor, e mordeu, e arranhou, e apertou, e fez tudo o mais, o que tinha direito e o que não tinha; meu amor sabia que não eu não resistia, e como sabia, e por isso veio a mim, pois sabia que fazia e acontecia; meu amor não me chamou de amor, me pegou, tirou a roupa, a minha e a sua, e fez o que queria fazer, o que importava fazer, aquilo que naquele lugar ninguém chegou a fazer: - meu amor tirou o amor da estante!
e eu agradeço.

segunda-feira, 4 de abril de 2011

Histórias de Grandeza e de Miséria 7: Poetar é fácil...

No ônibus, na cadeira da janela, meu colega de viagem interrompe."Tu gosta de ler poesia?", pergunta. Digo que sim. Ele pergunta se eu também escrevo poesia; novamente, sem muito entusiasmo, respondo que sim. Ele, Seu Adauto, como me disse, falou que também gostava de ler, mas que não tinha tempo. Comprou um livro do Drummond, "baita poeta!", mas faltou o "danado" do tempo. A rotina: acorda às 06:00, leva os filhos para a escola, retorna para casa, come, vai trabalhar, volta do trabalho, pega as crianças na escola, visita o pai adoentado, pronto, já são 22:00h. Desabada esgotado na cama. Aos finais de semana, faz bicos, sai, se der, com os filhos e com a mulher, "porque ninguém é de ferro". Aí já vem de novo a segunda, e tudo de novo. Foram trinta minutos de conversa, cansei só de ouvir Seu Adauto falando da correria que é a sua vida. Antes partir ele pergunta:"Tu também faz poesia?"."Faço.", respondo. Seu Adauto chega onde queria chegar:"Tu faz uma pra mim?". "Faço!", respondi com firmeza. Faço, faço, faço, e fiz. Eis aqui o que fiz, Seu Adauto, não é muito, mas é o que eu fiz.
Moral da história: poetar é fácil, difícil é ser gente.

sábado, 2 de abril de 2011

Eros( por falta de título melhor :P)

Aqui está senhores e senhoras mais uma das contribuições desse humilde bardo espero que gostem e até breve!










EROS


Abrace meu corpo nu.
Unidos seremos como uma constelação
Brilhantes nas profundidades da escuridão
Amantes imersos em sonhos


No arrepiar de nossos corpos
As almas se beijarão
No fluir dos selvagens sentimentos
Os espíritos se possuirão.


Os anjos testemunham as bocas
O tocar dos nosso lábios sem culpa
Enquanto as inocências são guardadas
No silêncio saboroso das palavras


Casta virgindade revelada.
Morre a virgem e a criança
No palpitar do seio excitado
No beijo do poeta acalorado

terça-feira, 29 de março de 2011

O Livro

Pego no armário um livro, obviamente, para ler. Sem plena noção do gesto, eu, súbito, o levo até o nariz: - sorvo o cheiro de literatura. Sim, meu caro, admito, minha amiga, é fetiche na mercadoria. O velho barbudo, ele explica.

Mas, com a licença da palavra, não ligo se ela lhe fere os ouvidos: foda-se! Gosto mesmo do livro, e pronto, fica por isso mesmo.

Afogo o rosto naquelas páginas amareladas. Sedento, vou iniciar mais uma releitura, e a alegria de saber a belezura que vou encontrar ali toma conta de mim: pareço um cachorro impaciente saciando sua fome.

Folheio o livro, rapidamente, da primeira à última página, de modo a projetar um vento leve nas minhas fuças. Aquilo que aspiro não é simplesmente odor de tinta e papel de uma corriqueira máquina gutemberguiana, é o perfume das palavras devidamente escolhidas e ajustadas, justapostas, trabalho ourivesco, coisa mais linda!

Agora contraio o livro contra o peito: preparo a mim e a ele para mais um sessão de rabiscos, grifos, marcações, anotações. Ou melhor: - preparo-nos para o início de nosso diálogo.

Ainda de olhos fechados imagino o contentamento do autor se soubesse desse meu namoro com a sua cria, sua obra-prima!

E, de repente, chego à conclusão: quando um leitor disseca um livro, não com os olhos atentos da leitura, mas com nariz, boca, face toda e mãos, aí sim podemos dizer: - eis a maior glória de um escriba!

domingo, 27 de março de 2011

Uma Noite Redundante

Mais uma sexta-feira, mais um começo de começo de noite. E só. Nada a mais que isso. As mesmas pessoas circulam, com as mesmas aspirações, os mesmo anseios, as mesmas lamentações, as mesmas frustrações. Nada surpreende, salvo a mesmice, o marasmo. Isso sim é que surpreende!

Chato, se você acha que é o adjetivo mais apropriado. De saco cheio, se era a expressão que você queria ouvir.

Nem a minha pequena, reparem bem, estava comigo. Aonde ela estará? Quem sabe. Queria mesmo era tê-la aqui, para esquentar suas orelhas frias com segredos de liquidificador, de centrífuga, ou batedeira. Não importa. Eis o que importa: o sussurro, o ato, a devoção. De quem se joga, mas com sinceridade.

A caminho de mais um bar, à procura de uma cerveja gelada, o maior dos prêmios, eu e Valmir caminhávamos atrás de Renato e sua namorada. Valmir graceja: "Quando um casal anda sacudindo as mãos é sinal de amor". "Se é amor, logo logo chegará um filho, um pimpolho", digo eu, pra completar a pilhéria.

Renato olha para atrás em sinal de reprovação. Mas continuo: "Vocês já imaginaram o filho de Renato? Ele, o garotinho, com três anos, em casa, ouvindo música Romântica, Allegretto Non Troppo, sai do quarto em direção à sala e diz:

'- Papai, estou sentindo um mal-estar.'

Renato, prepocupadíssimo, logo acudiria apalpando o toráx do garoto:

'- Mal-estar? Aonde, meu filho? Diga!'

E o menino responderia:

'- Na civilização, papai.'

Numa noite redundante, com mais, muito mais do mesmo, no Bar de Dona Irene (e não, minha gente, a piada caetaneana previsível não cabe aqui, pois Dona Irene não ri) o hipotético filho de Renato foi o que de melhor aconteceu.

sábado, 19 de março de 2011

Vamos Alice

Olá pessoas que acompanham o blog Ociólogos Mexidos hoje venho me unir a vocês compartilhando um pouco dos meus versos, sonhos, ilusões e emoções espero que gostem e até breve.


Um grande Abraço
Ass: Ávaro O Bardo



Vamos Alice !

Vamos Alice eu quero caminhar.
Entre as terras do pais das maravilhas.
Para encontrar o lírio violeta.
O meu presente para minha princesa.

Alice me guie entre a floresta sussurrante.
Um presente espera Liriel, a minha amante.
Para salvar nossa paixão do feiticeiro azul.
E perpetuar a paz nos campos do sul.

Toque em minha mão Alice.
E asas conceda-me.
Para entre as brumas mágicas.
Eu encontrar a rubra jóia.

Vamos Alice eu quero ver os elfos.
Ir até Valfenda encontrar o sábio eterno.
Traduzir as estrelas da noite.
Levar a salvação para a minha amante.

Alice é vasta a fantasia de suas terras.
Um presente para uma alma melancólica.
A salvação para minha certa derrota.
O elisio do artefato que me dará a vitoria.

Batize-me com pó de estrelas.
E eu voarei até elas.
Para entre os véus do universo.
Achar a salvação para meu sentimento.

Vamos Alice preciso caminhar entre estes campos.
Para encontrar o farol que salva sonhos.
Vamos Alice, pois Liriel espera.
O meu amor, sua salvação , minha presença.

quarta-feira, 9 de março de 2011

Parada Carnavalesca

Estimados, e escassos, leitores, esta miudeza internética parou para brincar a (ex) festa de Momo. (Sim, o excelentíssimo prefeito desta cidade vetou o concurso momesco, uma pena). Pode não parecer, mas até quem perde tempo postando fuleiragens em um blogue inóspito também brinca o carnaval. E muito! Não só isso: também tem ressaca. E é em nome dos dois últimos que peço desculpas pelos dias ausentes, e licença para os próximos que virão. Voltaremos em breve.

segunda-feira, 7 de março de 2011

Teu nome cheira à folia momesca, teus olhos cantam frevo. És toda carnaval: rápido não estás aqui.

terça-feira, 1 de março de 2011

Frances, seja bem-vinda!

A solidão é um sentimento triste. Alguns a põem reflexiva, necessária, mas inevitavelmente triste. Releio uma passagem do livro "O Óbvio Ululante", de Nelson Rodrigues, onde ele diz que iria inicar mais uma de suas Confissões com a seguinte frase: "A pior forma de solidão é a companhia de Flávio Rangel". Depois, o mesmo Nelson, pára, pensa e vê que não iria estar sendo justo fazendo isso. Afinal, sua relação com Flávio Rangel não superava uma frívola superficialidade, uma trivial troca de cumprimentos.

Introduzo com essa passagem de Nelson, para dizer isto: eu iria começar esta crônica afirmando veementemente, por vezes melancolicamente, que eu estava solitário neste blogue. Da mesma forma, também não estaria sendo de todo coerente. Eu reavivei este espaço a pouquíssimo tempo, alegar um solidão agora seria muito precoce, talvez risível. Muito menos, fazendo isso, iria deixar mais triunfal a estréia de Frances neste endereço. Ela já o é, aliás, o será, porque a moça ainda não fez sua primeira postagem. E o seria em qualquer outra situação. Em suma: elas se bastam. As duas: Frances e sua futura estréia.

Bem me lembro, há um incerto tempo atrás, de uma das mesas de boteco que eu e outros ociólogos compartillhávamos. Neste dia, em especial, aflorando várias e alegres afinidades entre os bebentes da mesa, vi Frances dar um salto de sua cadeira, bater com força na mesa, e dizer, melhor, gritar:"Porra, por que é que eu não conheci vocês antes?!". Eis aqui o que importa dizer sobre solidão: naquele momento, Frances estabeleceu um linha: antes de nos conhecermos, depois de nos conhecermos. Antes, estávmos sozinhos; agora, não. Naquele instante, por causa daquilo que Frances disse, e somente por causa daquilo, eu me pus ditoso e jucundo; risonho e feliz. Por causa de Frances eu não me sentia solitário.

Frances, seja bem-vinda!

domingo, 27 de fevereiro de 2011

Histórias de Grandeza e de Miséria 6: Quando ele fecha...

Quando ele fecha, não há quem abra. Aliás, há sim. A prórpria pessoa que o fechou pode fazer isso. É uma pena, mas tem gente que fecha. Uma desilusão, uma traição, ou porque deu na telha mesmo, vai lá, sem dó, e passa a chave. Mas uma vez fechado, tudo fica em preto-e-branco. Quem fecha não sabe, só sabe depois que abre de novo, mas fica. A chuva não molha direito, o sol não esquenta alma. A comida é menos gostosa, o cheiro do perfume é rarefeito, mais fraco, sabe, sem aquela força. Resumindo, meu filho, para não me estender mais: quem o fecha não vive direito. Triste daquele que fecha o coração! - conclui a moça que alegra minha viagem de ônibus.

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

Histórias de Grandeza e de Miséria 5: A bola

Era uma segunda-feira. Quando eu cheguei ao recinto, para encontrar meus camaradas, e beber, sim, não me amola, ora, ora!, a bola já estava lá. Rolava por debaixo das mesas, ia de cadeira em cadeira, traçava um percurso de rejeitada. Cada um que desse um chute, um tapa, um chega-pra-lá na bola. A bola. Por um instante, até brincamos com ela. Mas depois, ter aquilo batendo teimosamente nas cadeiras e balançando as mesas tornou-se chato. E era sempre um chute, um tapa, um chega-pra-lá na bola. A bola. Até que eu, para por fim ao pinball etílico, coloquei-a fora da calçada do bar, no meio da rua, de modo a não nos incomodar. Bem pertinho da hora de partir, quando já estávamos sendo expulsos do bar pela chuva e pela escassez de dinheiro, chega um garoto, 15 anos de idade no máximo, e me pergunta:"Ei, essa bola é tua?" Respondo:"Não". Ele, dessa vez mais empolgado, faz outra pergunta:"Tu sabe de quem é?". Eu, lacônico:"Não". O garoto, agora, explode em extase:"Urruu, então é minha!!!". Pegou a bola, saiu correndo em direção ao local onde se encontravam seus amigos, saltou, pulou, gritou. E de onde eu estava, só se ouvia os garotos dizerem:"Aê, bola nova!"; "Vamo jogar na praça!"; "Que sorte da porra, meu irmão, que sorte!"; "Agora a gente mata a secura!". A bola. A bola provou que entre a repulsa e a alegria, a linha é tênue; mostou duas faces da mesma moeda; revelou que o que para um pode não fazer diferença, para outro pode ser motivo de euforia. Numa noite de segunda-feira chuvosa, aprendi tudo isso com a simples história da bola. A bola.

terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

Mário, Fi D'uma Égua, A Culpa é Tua!

Façamos como em todas as copas que o Brasil perde, cumpramos nosso ofício de cristão, apontemos um culpado. Se você não se contém ao ver aquelas duas branquinhas, from the Casa Forte, na Praça do Arsenal, na Rua da Moeda, no Marco Zero, dançado côco e xaxado, você deve também querer saber quem foi o infeliz que inventou essa história.

"Isso é cultura, bicho!", a bela vai dizendo.

E quem causou esse mal todo foi o Dotô Mário de Andrade. Com essa história de "realizar o Brasil", o cabra-véi embalsamou a cultura popular, colocou-a no pedestal, e a classe média vai lá reverenciá-la, expiar a culpa.

Coisa mais linda, né, o Parraxaxá, aquele restaurante com "comidas típicas". A dona moça, que é meio intelectual, meio de esquerda, né não Antônio Prata?, vai lá, levar o amiguinho turista, mostrar a comida que revela "a identidade da região". Show de exotique. Safari em Hellcife.

Minha senhora, quem come cuzcuz não precisa arrogar para si o tempo todo que isso é sua cultura. Ela o é, pronto. O cabra sai de manhã cedinho pra guentar a ôia, enche a barriga de cucuz com charque, e segue firme (até dar a hora do almoço, claro). Ele não carece de resgatar a autenticidade, madame, a autenticidade é ele próprio, se era que isso a sinhora queria saber.

Enquanto teclo essas mal traçadas linhas, a moça que mora numa daquela torres em BV Beach, convida:"Ei, vamo naquele boteco que vende aquela macaxeira delicioooosa?!"

Mário, fi d'uma égua, a culpa é tua!

Flagrantes de Mulher 4: O andar

Uma cena que pode parecer corriqueira, e talvez o seja, mas é uma das belas da mulher. Ela, quando se põe a andar, revela seu segredo do nalançar dos seus quadris. Quem contempla o andar de uma mulher, decifra-a. Com todo seu gingado, rítimico, harmonizar tudo ao redor a sua cadência. O corpo: um marcapasso da alucinação, a cada passo, sintonia, beleza e perdição. Não há triavialidade mais estupenda, mais aprazível. Cena trivial e bela. E sublinho: - bela apenas para quem sabe observar.

domingo, 20 de fevereiro de 2011

A Chuva

O dia amanhece chuvoso, uma chuva forte e constante. Tão forte que parecia querer remover alguma mancha arraigada ao chão. Tão constante que parecia querer levá-la para longe, escorrer do solo para o rio, deste para o mar, assim como o lixo da cidade do Recife.

Mas é inútil. A água da chuva leva a si mesma e leva o que não tem força para ficar. Leva a folha da mangueira, a ponta do cigarro, dois sonhos, uma ou outra verdade. Depois que passa a chuva, muitas coisas ficam. Poderão ir na próxima remessa de água que cair do céu, mas ficam.

Eu considerei que a limpeza que a chuva faz nas ruas é igual à seleção de lembraças que o cérebro faz em nossa memória. Algumas coisas, talvez por desuso, se perdem em nossas recordações, são levadas pela água, não voltam jamais.

Eu considerei também que o que aconteceu entre mim e ela era suficientemente forte para ficar, resistir às chuvas. Ela, que nem sabe da existência desse blogue. Nem dessas lamentações em forma de crônica. Mas imaginemos que ela, por um acaso, achasse esse endereço perdido nos confins do ciberespaço.

Talvez sorrisse, se emocionasse, lembrasse dos lindos momentos que passamos juntos.

Talvez não.

sábado, 19 de fevereiro de 2011

Ah!, a universidade, a casa do saber, é sempre assim: dos muros pra cá, cultura; dos muros pra lá, folclore.
Por um mundo com mais comédias eróticas e menos dramalhões românticos.

Por Um Gerundismo Mais Doce

Pois bem, a manifestação que se iniciou com um mero post no 'facebook', agora se estende até este modesto blogue, pra ficar tudo bonitinho, oficializado, carimbado, papel passado, é assim que a gente quer. S'embora!

Queremos sim, estimada leitora, um gerúndio que soe mais gostoso na prosódia nossa de cada dia. O gerúndio suave, palatável, amaciado pela oralidade popular; linguagem coloquial, como queira.

'Gerúndio com 'd'? Nem fudeno!', é frase mãe, o brado de nosso protesto em prol do da língua certa do povo, o povo que fala gostoso o português do Brasil, como nos soprou o mestre Bandeira, quando evocou o Recife. Vê como fica mais fácil e prazeroso: correno, leno, fumano, jogano, trepano, amano, chorano, bebeno, acariciano, brincano... É ou não é?

Chega de picaretagem classe média 'mui culta', pronúncia bonitinha e correta como manda o figurino, como o ordena o chato do Pasquale. É assim que queremos hablar! Apetecendo a vós, querida leitora, até mesmo Rosano, alcunha de batismo deste que vos fala, mudaria de classe de palavra: deixaria de ser um nome próprio para ser, também, um gerúndio. Veja que coisa mais linda!

Adianto que não serão benquistas ressalvas em contrário. Alguém não se agradando, pode marcar hora e local, com cerveja na mesa, claro, que nós colocaremos os pingos 'is', já que a Dona Arrogante Norma Culta, a mesma que põe obstáculos à nossa manifestação, nos impede agora de assentar os tremas nos 'us'.

E ficamos por aqui, porque já vai mui grande esta pobre crônica.

domingo, 13 de fevereiro de 2011

Flagrantes de Mulher 3: Papel de Puta

No recinto, encharcado de ciúme e rancor, o mancebo dizia os maiores impropérios a sua companheira. Dizia, bebia, voltava, novamente a injuriava. Repetia a operação inúmeras vezes. Mas atente: não existe, querida leitora, coisa mais radiante do que uma mulher que não se subjuga, que não deixa sua moral cair, que não baixa a cabeça para homem nenhum. Ela, mui aguerrida, replicava com energia as censuras ultrajantes que lhe eram impostas. O rapagão, com uma petulância insuportável, não parava: bebia e falava, incessantemente. E foi numa dessas, escorregando na arrogância de quem acredita que o mundo gira entorno de seu pênis escroto, que ele caiu na besteira de dizer, aos berros:"És uma puta, nada mais que um puta!" A moçoila, não vacilou, respondeu-lhe, com firmeza:"O meu papel de puta eu fiz. E você, que não me comeu direito?". Sim, concordo, ele podia ter passado sem essa. No local, estupefatos e maravilhados, todos se calaram e contemplaram a pujança daquela mulher. E eu? Eu, depois dessa, também me calo. Encerro aqui esta reles croniqueta, inviável como de costume.

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Histórias de Grandeza e de Miséria 4: De Pai para Filho e de Filho para Pai

O Coroa... Não, o Coroa não!, soa muito pejorativo. O Senhor... Não, também não, isso soa muito distante para um homem de quase sessenta anos que há pouco me abraçava como menino. Basta: Jojó. Pois bem, Jojó relembra com orgulho seus tempos de jovem moço, recém-casado, indo ao maior bloco do mundo, o Galo da Madrugada, puxando um filho pela mão e carrgando o outro na 'cacunda', logo atrás do trio elétrico, pois atrás dele, como me sopra o mestre Caetano, só não vai quem já morreu. Um alegria, dizia ele, uma maravilha brincar o carnaval de Recife junto com seus rebentos: "Melhor que sonho!!!", abusa Jojó das exclamações. Acontece, e isso é inevitável, o tempo passa, e a idade, ou as limitações que dela decorrem, se sobrepõe a qualquer um. Jojó ainda ia ao Galo da Madrugada, mas não podia pôr os filhos sobre as costas, pois, é sabido, a sua época de homem robusto passou, agora estava um pouco velho, e os filhos grandinhos demais para serem arrastados sobre os ombros. Mas ele queria porque queria refazer todo o velho caminho, ao menos a Rua da Concórdia completa, mas não sabia se aguentava percorrer todo esse trajeto. O rebento primogênito de Jojó lhe pergunta:"Papai, vamos andar a Rua Concórdia como nos velhos tempos?". Jojó replica:"Minha idade chegou, filho, não sei se consigo." Ao que seu filho replica, na lata, sem titubear:"Vamos, Papai, se o senhor farquejar eu lhe carrego nas costas, como nos velhos tempos." E Jojó não conteve as lágrimas que inundavam seus olhos: chorou o choro da gratidão em plena euforia carnavalesca.

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Um crônica ranzina, sobre um domingo ranzinza

Foi há poucos dias atrás, num domingo, não lembro, querida leitora, a data ao certo, mas um domingo. O dia começou com alguns acontecimentos não muito bacanas, uma ressaca mais aguda que de a costume, o tempo meio nublado... E se encerrou com uma derrota do meu clube de coração, o Santa Cruz. Veja só!

Fiquei triste, amuado, cabisbaixo, com cara de poucos amigos. Abandonei, ou ela me abandonou, a alegria que comumente me acompanha. Não fiz gracejos com a leve embriaguez de um amigo meu, não ri do escorregão do outro, abdiquei da oportunidade de contar alguma piada. Sisudo até o talo, era capaz de fuzilar alguém só com o olhar. Não sei, exatamente, o que me abateu. De tudo isso, posso chegar a uma única conclusão: até a alegria tira férias.

Fui para casa ainda melancólico. Esperava uma ligação, um torpedo, um e-mail, um sinal de fogo, amigo!, dela. Mas nada veio. E eu fiquei a mascar o gengibre da desesperança. Um dia após, já curado da minha 'doença da chatice', ponderei, e achei até melhor não ter recebido nada dela. Na situação em que eu me encontrava, corria o risco de dar uma dimensão exagerada a uma atitude trivial, me entendes?

Porém, depois de ditas tantas amenidades, poderás vós me perguntar, de que me interessa tua ressaca, a derrota de teu time, tua chatice, a ausência de tua donzela?, que importância tem isso? E eu vos direi muito sinceramente: nenhuma. Eu não sou um daqueles cabras iluminados que tem a faculdade de contar belas histórias, tal qual Ernest Hemingway em O Velho e O Mar, menos ainda de dar-lhes importância. O que faço, e ainda assim muito mal, é contá-las.

Contudo, e aqui também com toda a sinceridade que me é lícita, digo: deixe de ser folgado, acomodado, preguiçoso. Arrumai vós uma importância para esta pobre história. Ou eu haverei de fazer tudo sozinho?

Pois bem, assim ficamos então combinados: eu conto as histórias, vocês lhe atribuem alguma importância.